Diplomacia McDonald

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Pelo mundo todo, Brasil incluído, não há cão nem gato que não tenha usado o aplicativo FaceApp que mostra a suposta aparência dos seus clientes quando velhos. Mas só no Brasil, resto do mundo excluído, virou febre online a apresentação de currículos cómicos para candidatura a cargos diplomáticos.

O responsável pelo primeiro meme foi uma empresa russa de fama duvidosa chamada Wireless Lab. O responsável pelo segundo meme foi um presidente sul-americano de fama duvidosa chamado Jair Bolsonaro.

Começou a 10 de julho quando o presidente quis oferecer ao seu filho Eduardo Bolsonaro um presente de aniversário pelos seus 35 anos completados naquele dia: nomeá-lo embaixador brasileiro nos EUA, cargo vago há meses, apenas à espera que o terceiro dos filhos do chefe de estado completasse a idade necessária para o ocupar.

O anúncio, como é costume nas ideias do presidente, apanhou toda a gente de surpresa: da oposição, que se sentiu mais uma vez ociosa, porque o maior opositor do governo é o seu suposto chefe, ao entorno do Palácio do Planalto, que percebeu que nas horas e nos dias seguintes lá teria, pela enésima vez, de colocar água na fervura e dizer que não, que não é bem assim. "É um processo que tem de se ver confirmado, ele [Bolsonaro] não disse que a Embaixada do Brasil em Israel ia mudar para Jerusalém. E onde está ela, não é em Telavive? O presidente tem estes momentos", disse o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.

Traduzindo, o homem da mais estrita confiança do presidente tentou descansar os brasileiros com um discurso do tipo "não façam caso do que ele diz, não é para ser levado a sério". Resta saber se descansa os brasileiros saber que têm alguém que não deve ser levado a sério a dirigir a nação.

Enquanto nos corredores do Ministério das Relações Exteriores do Brasil a notícia era acolhida com chacota entre diplomatas de carreira, os parlamentares que ainda apoiam Bolsonaro tentavam demovê-lo. E até o astrólogo terraplanista Olavo de Carvalho, guru presidencial, capaz de produzir as ideias mais nonsense, disse achar a iniciativa estapafúrdia.

Faltava ouvir o destinatário do presente, o aniversariante Eduardo. E ele não desiludiu. "Eu não sou um filho de presidente que do nada está a ser alçado a essa condição", começou por advertir. "Eu já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos, no frio do Maine. E no frio do Colorado, numa montanha lá, aprimorei o meu inglês", concluiu.

Perante as já de si impecáveis justificativas do filho, o pai ainda sublinhou outras credenciais importantes do seu currículo: "Já foi a vários países da Europa e não é um aventureiro, acabou de casar, inclusivamente."

Por isso no Brasil, além do vírus do aplicativo que nos envelhece, propagou-se uma enxurrada de currículos nas redes sociais: "sou casada, fiz uma piza um dia em Itália, dá para ser embaixadora em Roma?", "sou solteiro mas em contrapartida ganho a vida a fritar hambúrgueres, chega para ser embaixador?" e por aí adiante.

O próprio autor destas linhas, ajudante de churrasco uma meia dúzia de vezes, está, pois, habilitado a concorrer à Embaixada de Portugal em Brasília.

Mas e de onde foi Bolsonaro tirar semelhante ideia, pergunta-se toda a gente, incluindo milhões de eleitores seus arrependidos? Provavelmente daqui: o príncipe saudita Khalid bin Salman, também sem experiência diplomática, foi nomeado embaixador em Washington em 2017 pelo seu pai, o rei Salman bin Abdulaziz al-Saud. Ou daqui: o filho, o genro, o sogro, o irmão e o sobrinho de Idriss Déby Itno, no poder no Chade há 29 anos, exercem papéis diplomáticos em diferentes embaixadas. Ou daqui: o tio do ditador norte-coreano Kim Jong-un, com longa carreira como embaixador mesmo sem formação, é outro exemplo para Eduardo Bolsonaro.

Dadas as reações de incredulidade, gozo, choque e medo que a ideia suscitou, Bolsonaro respondeu que... "as críticas mostram que ele é o nome adequado". Se esta família continuar no poder por muito mais tempo, é melhor nem saber qual a aparência do Brasil quando velho.

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