Diplomacia em vez de guerra. Verdade em vez de mentiras

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O estimado leitor deste texto talvez possa ser surpreendido pelo facto de este ser publicado sob o mesmo nome como o artigo de opinião da encarregada de Negócios da Embaixada dos EUA em Portugal, Kristin Kane, que apareceu no DN na sexta-feira passada. Mas a verdade é que são estas palavras que plenamente correspondem com os princípios fundamentais da ação externa da Federação da Rússia.

Hoje em dia, todo o mundo, e particularmente a Europa, está a sobreviver a uma situação grave de aumento artificial da tensão entre as nações. Ao mesmo tempo, a Rússia está a ser acusada de todos os pecados possíveis sem que seja apresentada qualquer evidência. É exatamente neste momento que se torna cada vez mais urgente um diálogo baseado não nas emoções e acusações infundadas, mas sim numa abordagem profissional e pericial.

A estrutura das relações entre os Estados tem como alicerces o Direito Internacional cuja pedra angular é formada pela Carta das Nações Unidas e que não tem nada que ver com uma certa "ordem mundial assente em regras". Além disso, os autores que pretendam comentar a situação atual devem ter conhecimento mínimo dos documentos básicos relativos às fundações da segurança europeia que foram aprovados pelos países da OSCE e da NATO.

Assim, na Carta sobre a Segurança Europeia de 1999, cuja lista de signatários conta, entre outros, com o presidente americano, foram formulados os direitos e compromissos principais dos Estados membros da OSCE em relação à indivisibilidade de segurança. Está sublinhado o direito de todos os países à escolha livre da maneira como assegurar a sua segurança, inclusive através de tratados de aliança, conforme evoluem, bem como à neutralidade, sendo este princípio diretamente condicionado pela obrigação de todos os Estados de não fortalecer a sua própria segurança a expensas da segurança dos outros. Na cimeira da OSCE em Astana em dezembro de 2010 os líderes dos nossos países, inclusive a Rússia, Portugal e os EUA, aprovaram a declaração que confirmou a integridade dessas obrigações quanto à indivisibilidade de segurança europeia.

A ofensiva da infraestrutura militar da NATO na direção das fronteiras da Rússia é uma ameaça. Isto é também confirmado pela transformação da atitude que prevalece na Aliança Atlântica. Se na Ata Fundadora Rússia-NATO, assinada em 1997, as partes concordaram em "não se considerar como adversários", ao longo do tempo a Rússia passou a ser identificada não só como "adversário", mas também "ameaça à segurança euro-atlântica".

No contexto do aumento artificial da tensão, a Rússia foi a primeira a dar o passo importante para afastar uma opção bélica, encaminhar as divergências para uma mesa de conversações e demonstrar através dos factos concretos o que é verdade e o que são mentiras, tendo enviado a Washington e aos países da NATO as suas propostas concretas de mecanismos vinculativos no domínio de segurança.

A situação na Ucrânia e em torno desta representa, sem dúvida, um tema importante da discussão. Importante, mas secundário. A Rússia propôs que fosse aplicada uma abordagem complexa a todo o conjunto de problemas para atualizar o quadro jurídico que tenha em conta a realidade atual. No entanto, surgem muitas tentativas de desviar o diálogo dos assuntos principais e concentrar-se exclusivamente na Ucrânia. Quanto a esta, é muito lamentável ler opiniões em que consta, provavelmente sem qualquer conhecimento do assunto, que a Ucrânia alegadamente "manteve os seus compromissos no que diz respeito aos acordos de Minsk", segundo os quais as partes do conflito são o regime de Kiev e as autoridades da região de Donbas. A Rússia não é e nunca foi a parte do conflito puramente intraucraniano.

Estas afirmações não passam de mera fantasia. Os acordos de Minsk fazem parte do Direito Internacional, têm carácter vinculativo, sendo incluídos na resolução do Conselho de Segurança da ONU n.º 2202 de 17 de fevereiro de 2015, e estão livremente acessíveis nas páginas da organização mundial ou da OSCE. Aliás, foi o próprio presidente da Ucrânia que destacou que não ia cumprir os acordos de Minsk para que se mantenha a pressão sancionatória contra a Rússia.

Surgem quase todos os dias novas mentiras que a Rússia "está a beira de uma invasão", sendo alimentada através destas fake news uma atmosfera de tensão e ansiedade. É, no entanto, sintomático que são os atores destas alegações que não desprezaram, no passado, o uso das falsificações para justificar agressão. Todo o mundo se lembra do famoso "tubo de ensaio com carbúnculo" que serviu o pretexto para invadir o Iraque ou os bombardeamentos da Jugoslávia sem qualquer mandato da ONU. São estas "as regras" que hoje têm sido impingidas ao resto da comunidade internacional? Ou servem apenas aos interesses dos seus patrocinadores?

Resumindo, queria destacar que o atual momento não deve ser inundado pelas emoções e acusações infundadas, mas sim precisa das cabeças sóbrias e diplomacia profissional. É de saudar que esta abordagem continua a ganhar força na Europa. Basta referir-se o recente comentário do presidente da França, Emmanuel Macron, que disse antes da sua viajem a Moscovo no dia 7 de fevereiro que quando se decide não falar com a Rússia não é possível resolver nenhum conflito.

E que sirva de estrela-guia para todos a famosa frase do grande estadista mexicano do século XIX Benito Juárez que "o respeito ao direito alheio é a paz".

Embaixador da Rússia em Portugal

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