Maria Paula Branco faz questão de contar uma história. "Foi numa visita que o Dino fez a uma escola e ele perguntou aos meninos quantos é que vinham de um bairro social. E ninguém se mexeu... então ele disse que ele tinha vindo de um bairro social, que não tinha luz, nem água potável e onde o chão era de terra. Partilhou a sua história e de repente começaram as mãos todas a levantar-se." Aquele episódio marcou a diretora executiva do Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS), mesmo tendo Maria Paula Branco escolhido há muito como missão abrir caminhos, através das soluções da escola profissional, para jovens que à partida têm oportunidades. "Eles tinham vergonha, mas de repente viam um ídolo ali a falar com eles e a partilhar uma experiência e uma vida semelhante à deles e tinham a noção de que também eles podiam sair do bairro.".O bairro é um lugar de vergonha. E cria nos miúdos uma vulnerabilidade extrema. "Eu tinha vergonha, porque nunca tinha roupas novas, os ténis não eram Nike, não queria que o meu pai me levasse ao futebol porque o carro dele era podre em comparação com os dos miúdos de Vilamoura", legenda Dino d"Santiago. "Porque nós não partimos todos do mesmo lugar - aliás, vimos todos de lugares diferentes, mas pedem-nos o mesmo sucesso a nível escolar e isso cria uma desigualdade tremenda." Esse desnível é mais do que a condição da criança, do adolescente, do jovem; é também a autolimitação, a certeza de que ter nascido em determinado contexto lhe limita, à partida, as possibilidades de futuro. Aceitar a diferença, em si e nos outros, entender a herança racial e as especificidades culturais como um acrescento em vez de uma limitação, é um passo fundamental para o empoderamento que permitirá "sair do bairro" para o mundo..Essa experiência na primeira pessoa fez com que o cantor aceitasse, de um salto, o convite do IDS para ser Embaixador do Curso de Mediador Intercultural, que pretende precisamente "colaborar na integração de diferentes grupos étnicos e culturais, nomeadamente, comunidades migrantes e ciganas, entre outras, estabelecendo processos integrados de comunicação, facilitação, mediação e negociação no quadro de uma cidadania ativa e inclusiva"..Simplificando, num momento em que as migrações marcam a Europa e é preciso quem faça pontes em todo o tipo de estruturas, há que criar condições nas escolas que recebem miúdos ucranianos saídos de um contexto de guerra; abrir portas nos tribunais, onde por vezes imigrantes ou membros de comunidades diversas respondem; criar apoio nos hospitais que têm protocolos com países dos PALOP e onde tantas vezes o acolhimento de doentes e acompanhantes é dificultado pela língua, hábitos e cultura; mas também, por exemplo, ter alguém que seja capaz de encaminhar, nos serviços da Segurança Social, os muitos imigrantes que ali chegam sem conseguir sequer comunicar as suas necessidades ..O IDS está a formar quem possa fazer esse papel de intermediário, quem possa ajudar a uma melhor integração não apenas em casos extremos, mas também, por exemplo, na tomada de consciência das diferenças e de quanto elas nos enriquecem. "Eu sou português, mas sou também cabo-verdiano, mas não sou metade de cada, sou 200%", resume o embaixador Dino, explicando que muito dessa formação passa pela consciência e aceitação da diferença enquanto valor, não limitação..Esse empoderamento, viu-o já no evento em que os jovens formandos tiveram protagonismo, na Gulbenkian. "O André andava por ali de blazer, a orientar as pessoas, a dizer onde cada um tinha de ir e nesse momento ele sentia que contava, estava numa posição de liderança e estava orgulhoso por mostrar que as pessoas de etnia cigana são muito mais do que os preconceitos que sobre elas estabelecemos.".Para aqui chegar, Dino foi partilhando muito do que ele próprio foi: o miúdo pobre do bairro social, que não conseguia decorar a matéria e saiu mais cedo da escola para trabalhar na hotelaria, mas só queria saber dos desenhos em que mergulhou. O jovem que cantava no coro da igreja, mas só quando se viu por mero acaso na Operação Triunfo percebeu que a música que fazia tinha valor e potencial de futuro. O homem que voltou à escola para agradecer aos seus professores os esforços e pedir desculpa pelos momentos de que menos se orgulha. "Porque há também aqui um fator de responsabilização: não podemos dizer que os professores são os culpados pelo que nos acontece, temos de assumir a responsabilidade de construir o nosso sucesso para que ele aconteça", vinca Dino d"Santiago..Ter um artista como embaixador é muito mais do que aqueles jovens formandos poderiam imaginar quando viram pela primeira vez ao vivo Dino d"Santiago, numa sala de aula, a partilhar playlists com eles, a guiá-los em projetos que os ajudam a crescer e lhes dão horizontes, a dar-lhes atenção e importância que não pensavam merecer.."Tudo isto ajuda a que vejam o seu próprio potencial e vai permitir que construam depois, eles próprios, pontes para ajudar outros na sociedade." Sem esmagar ou sacrificar as particularidades de cada um em nome da integração. "A ideia é que o mediador entenda e ajude a perceber que aquela pessoa tem o seu feriado, que é diferente do meu, que é católico; que não censure hábitos, até os mais simples, como não comer porco. O que for. Vamos mostrar onde cada um de nós se desencontra e onde cada um de nós se encontra.".Com três anos de frequência letiva e equivalência ao 12.º, o curso de Mediador Intercultural abre-se a jovens que tenham até 19 anos no ato da matrícula, com o 9.º ano concluído, explica Joana, responsável por aquele curso profissional. Sendo de nível 4, tem dupla certificação, o que significa que, no final, os jovens têm também o certificado profissional que lhes permite prosseguir estudos ou começar logo a trabalhar - aqui ou em qualquer país do espaço europeu, uma vez que a escola garantiu o selo de qualidade ECAVET.."As necessidades de profissionais que cumpram este papel é tão grande que estes miúdos têm todos emprego garantido nos locais em que estagiam no segundo e terceiro anos", garante a responsável. "O que mostra a tolice de se manter o preconceito em relação aos cursos profissionais neste país", junta Maria Paula Branco, explicando que a primeira turma estará formada daqui a um ano e que as inscrições para nova "fornada" de formandos em Mediador Intercultural já estão abertas.