Dinamite. Dina deixa os palcos e passa o testemunho à nova geração
Foi a 22 de setembro de 2012, no Casino da Figueira, que Dina subiu pela última vez a um palco. Já lá vão quase quatro anos e desde então a cantora de Amor de Água Fresca, com a qual venceu o Festival da Canção de 1992, não mais voltou a atuar em público. Hoje regressa ao palco acompanhada de 15 músicos da nova geração, num misto de despedida e passar de testemunho num espetáculo - Dinamite - idealizado por Gonçalo Tocha, músico e realizador.
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Ana Bacalhau (Deolinda), Mitó (A Naifa), Márcia, Da Chick, Samuel Úria, B Fachada, D"Alva, Tochapestana e Best Youth são alguns dos músicos em palco acompanhados por uma banda especialmente formada para esta ocasião, composta pelo guitarrista Manuel Dordio (They"re Heading West), o baixista David Santos (Real Combo Lisbonense e Tv Rural), o baterista David Pires (Pontos Negros) e o teclista João Gil (Diabo na Cruz, YCWCB e Vitorino Voador).
Apesar das baladas que a tornaram famosa, a obra de Dina vai muito para lá dos êxitos mais conhecidos, passando por estilos tão diversos como a canção de intervenção, a pop, a folk ou o rock. "É precisamente esse legado que se pretende celebrar", explica o músico e realizador Gonçalo Tocha, criador do espetáculo. Tudo começou há cerca de dois anos, quando Gonçalo pediu autorização a Dina para gravar uma versão de Pássaro Louco, no disco de estreia dos Tochapestana. "Quando nos conhecemos sentimos logo uma grande empatia. Convidou-me para cantar, mas expliquei-lhe que não podia devido à doença", lembra Dina, que no entanto acabou mesmo por participar no disco. "Gostei muito da experiência, não só porque me senti completamente em casa, naquele ambiente de estúdio, mas especialmente por ter sido um momento de grande troca de afetos", afirma. Acabaram por ficar amigos e, aos poucos, a ideia de fazer um espetáculo de despedida para Dina começou a tomar forma na cabeça de Gonçalo, especialmente depois de Dina lhe ter oferecido a sua discografia.
Dina com Tochapestana em Pássaro Doido:
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"Confesso que não conhecia. O Dinamite, por exemplo, passou completamente ao lado do público na altura, mas era uma verdadeira obra-prima, bastante moderno para o seu tempo, pelo modo como mistura rock, funk e pop", admite Gonçalo, para quem há uma outra Dina, "muito para lá da imagem cristalizada das baladas e da guitarra acústica", ainda à espera de ser descoberta. "Quando as pessoas estão invisíveis, há muito mais para dizer. Não me interessava por isso recordar a história mais conhecida da Dina, mas antes contar aquilo que poderia ter sido se, por exemplo, esse disco tivesse sido ouvido com a atenção merecida na altura certa."
Nova leitura da obra
O espetáculo que hoje sobe ao palco do São Luiz e na quinta se repete no Teatro Rivoli, no Porto, é o resultado de ano e meio de trabalho. "Comecei por desafiar os músicos e só depois escolhi as músicas para cada um deles. A variedade da obra de Dina permitiu-me escolher um grupo de artistas muito heterogéneo. Alguns, como o B Fachada, o Samuel Úria, a Mitó ou a Ana Bacalhau, conheciam muito bem a obra da Dina, mas outros, como a Da Chick, que vai cantar dois temas mais funk, de início dos anos 80, não conheciam quase nada", explica Gonçalo. O único critério, além da variedade, foi serem artistas abaixo dos 40 anos, não contemporâneos de Dina, que cumpre 60 anos e 40 de carreira neste ano, de modo a dar "uma nova leitura" à sua obra.
Além da interpretação integral do primeiro álbum, Dinamite, os convidados irão ainda cantar "versões completamente novas" de mais outras 12 canções, escolhidas pelos próprios juntamente com Gonçalo Tocha. Foi "um orgulho" para Dina perceber que, melhor ou pior, todos eles conheciam o seu trabalho. "Lembro-me de que quando conheci o Fachada, há quatro anos, ele me apareceu com os meus primeiros dois discos debaixo do braço. São momentos que me deixam muito orgulhosa." Tal como o elenco deste espetáculo, composto, na opinião da cantora, "por artistas muito descomprometidos com o sistema, que têm trilhado o seu caminho com muita qualidade e autonomia. São comprometidos, isso sim, com o seu público e a sua música e isso é a maior liberdade que um artista pode ter", sublinha.
Uma despedida em beleza
O espetáculo serve também para Dina se despedir de vez dos palcos, como a própria assume. "Foi-me diagnosticada fibrose pulmonar há uns anos. É uma doença irreversível que, apesar de estar controlada, me impede de cantar devido ao cansaço e à tosse. A voz está perfeita, mais apurada até, mas a respiração não me deixa cantar", explica ao DN. "Sempre pensei que gostaria de dar uma explicação ao público para este súbito desaparecimento. Por isso, quando o Gonçalo me pediu autorização para fazer o espetáculo, aceitei logo e prometo que vou mesmo subir ao palco cantar um ou dois temas. É lindíssimo ter uma despedida assim, com as minhas canções a serem cantadas por estes artistas tão talentosos."
Para Gonçalo Tocha, trata-se, isso sim, de "um encerramento de carreira muito digno", com um espetáculo que não só recupera o repertório mais desconhecido da cantora como também o apresenta a um público mais novo. "A Dina foi a primeira grande compositora da pop nacional e esta dualidade de ter toda uma nova geração de músicos a tocar a sua música é muito importante. É isto que dá valor artístico e histórico a estes concertos."
Teatro São Luiz, Lisboa, hoje às 21.00 Bilhetes de 9 euros a 17 euros
Teatro Rivoli, Porto, 24 março, quinta-feira, 21.30. Bilhetes a 10 euros