Dinâmica anti-Trump agita a América

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O recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deve ter consciência de que, ao eleger o mundo da cultura e do espectáculo nos Estados Unidos como um preferencial alvo político, encontrou um adversário de muito peso que não lhe tornará a vida fácil no decorrer de um mandato que observadores e especialistas prevêem que não vá correr nada bem.

Trump deu um eloquente sinal dessa predisposição para o combate político e mediático ao responder a Meryl Streep depois do ataque que, sem nunca o nomear, a grande actriz lhe dirigiu a propósito da forma humilhante como o então candidato quis amesquinhar um jornalista com reconhecida e grave deficiência física, chegando mesmo a mimar de forma vergonhosa as suas limitações. A actriz, que Hollywood e o mundo têm amplamente consagrado, foi classificada como "uma das actrizes mais sobrevalorizadas de Hollywood" e alguém que foi "uma apoiante desiludida com a derrota da candidata democrata". Mas Meryl Streep foi muito clara no que disse: "Quando os poderosos usam a sua posição para fazer bullying aos outros, todos perdemos."

O recém-eleito presidente, sendo um homem do negócios também fabricado pelos media, sabe que o meio audiovisual norte-americano é o mais poderoso do mundo, tendo conquistado, ao longo de um século uma supremacia ideológica e financeira que faz dele uma força cultural e política temível.

Apesar disso, grandes nomes do cinema não hesitaram em tornar público o seu total apoio a estruturas que foram criadas e se mobilizaram para contestar Trump. A América que, em tempos, viu perseguir os chamados "dez de Hollywood" nunca deixou de saber que o tão apregoado american dream inclui forçosa e imperativamente a liberdade. Foi em nome dessa liberdade que nomes como Dalton Trumbo, evocado e celebrado por um filme muito recente, assumiram os seus ideais de esquerda e acabaram por ser detidos.

No mundo real com o qual lida através de sucessivos tweets mas também agora através da máquina poderosa do aparelho de Estado, para a qual irá nomear mais de cinco mil funcionários, até onde e quando poderá Donald Trump utilizar a ferramenta do insulto, da insinuação e da ameaça sem que tal avolume as fileiras daqueles que, não gostando e não concordando com ele, lhe dão a mais baixa taxa de popularidade dos últimos 40 anos erguendo a de Barack Obama a níveis de apreço e afecto inimagináveis?

Entretanto, também muitos escritores se agruparam no chamado Writers Resist. Todas estas vozes e opiniões têm vindo a avolumar uma dinâmica de resistência a Donald Trump.

A verdade é que autores e artistas têm, nos Estados Unidos, uma longa e rica tradição de protesto político, que se intensificou contra a desastrosa intervenção no Vietname, num tempo em que ir à guerra foi, para muitos, uma forma de perder a vida ou de ficar amputado e imobilizado pedindo esmola em Washington nas esquinas de Georgetown ou na proximidade de grandes museus e de salas de espectáculos e conferências de que o Ronald Reagan Center pode constituir um bom exemplo. É conhecida e admirada a diversidade de soluções encontradas por intelectuais e artistas quando se trata de fazer circular a sua mensagem. Como alguém escreveu recentemente num texto sobre o ciclo da contestação política no país, "a liberdade de expressão e comunicação requer um constante exercício para ser mantida viva". O aparelho repressivo norte--americano sempre foi poderoso na altura em que as liberdades querem vencer os muros que as constrangem.

É impressionante observar os nomes de relevo na vida artística, designadamente a cinematográfica, teatral e musical norte-americana, que decidiram integrar a plataforma Artists United against Violence, de Mark Ruffalo a Julianne Moore, passando por Julia Styles, Kathleen Turner, Woody Harrelson, Jeffrey Mars, Michael Moore ou Kerry Washington, entre muitos outros. Alguns apoiaram a candidatura democrata mas a grande motivação nesta dinâmica de protesto está assente numa cidadania activa que exige o respeito pelas regras essenciais do convívio civilizado entre ideias e opiniões diferentes numa sociedade muito contraditória e tensa. O tempo e a vida dirão o que a partir de agora irá acontecer.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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