Dilma entra na campanha como arma de arremesso

Lula e o PT tratam-na como problema nas eleições de 2 de outubro. Bolsonaro e Moro como debilidade a explorar. Analistas avaliam o papel da antiga presidente na campanha
Publicado a
Atualizado a

Lula da Silva saiu do palácio do Planalto com 83% de aprovação popular. Já a sua sucessora, Dilma Rousseff, passou o último ano de gestão, antes de ser alvo de impeachment, na casa dos 10%. Esse é o motivo pelo qual o Partido dos Trabalhadores (PT), a que ambos pertencem, tenta na pré-campanha para as eleições de 2 de outubro propagandear a gestão dele ao limite e omitir a dela o máximo que puder. E esse é o motivo pelo qual Jair Bolsonaro e Sergio Moro, os principais rivais de Lula na corrida, vêm fazendo exatamente o contrário. Dilma tornou-se, em 2022, arma de arremesso político.

O desconforto do PT em relação à presidente de 2011 a 2016 e dela em relação ao partido começou a notar-se no dia 19 de dezembro, num jantar organizado pelo grupo de advogados Prerrogativas que juntou, pela primeira vez em ambiente de pré-campanha, Lula e o seu surpreendente candidato a vice-presidente Geraldo Alckmin, outrora figura de proa do PSDB, o rival histórico, de centro-direita, do PT, de centro-esquerda.

Por entre o meio mundo de novas e velhas lideranças políticas que compareceram ao início formal do namoro entre Lula e Alckmin, uma ausência chamou a atenção da imprensa e dos convidados: "cadê a Dilma?". A informação de que ela não havia sido convidada, depois desmentida com a exibição do convite formal do Prerrogativas, acendeu um alerta amarelo à esquerda - que se tornaria laranja ou mesmo encarnado vivo, dias depois, por causa do comentário de um vice-presidente do PT.

"A Dilma é ex-presidente e tem o papel dela. Mas, do ponto de vista eleitoral, não", disse Washington Quaquá, ao ser questionado sobre a ausência da antiga presidente no jantar. "Existe um pedaço pequeno do PT que ainda fica nesse negócio de golpe. Política não se faz com ressentimento, se faz pensando em estratégias para transformar a vida do povo".

O comentário vem na sequência de encontros ao longo dos últimos meses entre Lula e aliados de Michel Temer, o vice-presidente de Dilma que conspirou pela sua queda e herdou a presidência, visando alianças amplas para a eleição. Aliados esses que, nalguns casos, estavam animadamente no tal jantar de 19 de dezembro a que ela resolveu faltar. "O Lula tem dito reiteradamente que quer pacificar o país em torno de um programa de reconstrução nacional sem olhar para trás", justificou José Guimarães, líder parlamentar do PT, ao DN. "Se nessas conversas há muita gente que votou pelo golpe, quem no fundo está a fazer a autocrítica são eles ao apostarem no PT e não nós".

Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, em conversa entre os dois antigos presidentes, no dia 13 de janeiro, Dilma perguntou a Lula se Alckmin "vale uma missa", numa alusão ao rei francês Henrique IV que se converteu ao catolicismo para ascender ao trono e disse "Paris bem vale uma missa". E, também, se o antecessor não corre o risco de ser traído pelo vice, como ela foi. Lula argumentou que Alckmin, ao contrário de Temer, que se queixava de ser tratado como "decorativo", terá participação ativa no governo, o que inibirá traições.

Noutra ocasião, Lula disse que Dilma "falha na política". "A Dilma, tecnicamente, é uma pessoa inatacável, que tem uma competência extraordinária. Na minha opinião, ela erra na política. Ela não tem a paciência que a política exige, de conversar e atender as pessoas mesmo quando você não gosta do que a pessoa está falando".

Para, até ver, encerrar a discussão pública, Dilma escreveu nas redes sociais que "não adianta quererem fazer intrigas" entre ela e Lula. "A nossa relação de confiança já foi testada inúmeras vezes e é inabalável".

Mas o que a campanha eleitoral do PT deve fazer, então, com Dilma? "O PT tem o desafio de tentar atiçar a memória da bonança dos seus governos sem lembrar os números mais delicados", sublinha Matheus Pichonelli, colunista político do portal Yahoo. Para já, parece que vem optando pela estratégia de manter a antiga presidente escondida. "Os movimentos mais recentes em torno da pré-candidatura de Lula têm-na, de facto, mantido fora da vitrine".

"Resta ao PT decidir se isola Lula de Dilma, como se ela não tivesse acontecido, ou se a defende de tudo o que levou ao seu impeachment, vai depender do que for considerado que atrai ou afugenta mais o eleitorado", continua.

O cientista político Alberto Carlos Almeida, por sua vez, disse ao DN que "Dilma atrapalha bastante o PT". "Para começar, a Dilma cometeu um erro muito grave ao não ir ao jantar do grupo Prerrogativas para o qual foi, de facto, convidada e depois alegar que não tinha sido".

"Depois, a aprovação do governo dela andou na casa dos 10%, o que é muito ruim, logo, do ponto de vista eleitoral, ela atrapalha o PT, ela atrapalha bastante o PT, e por isso vai ficar de fora da campanha, não será ministra de eventual governo Lula e nem sequer candidata a cargo legislativo". Para Almeida, "a Lula restará falar dos governos dele, muito bem avaliados, e dizer que ela foi boicotada, que não a deixaram governar, algo desse tipo".

Se Dilma deve então passar despercebida na campanha do PT, "ela será, certamente, importante na campanha... dos adversários de Lula", adverte Pichonelli.

E, de facto, o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) vem relativizando os fracassos do seu governo por comparação com o de Dilma, quando o Brasil viveu outra crise económica. "Em 2015 o Brasil perdeu 2,5 milhões de empregos. E não teve pandemia, não teve nada. Era o governo do PT, da senhora Dilma Rousseff", disse, a 17 de janeiro. No dia seguinte, insistiu: "Deus nos salvou do socialismo. Garotada que em grande parte apoia não sabe o que foi este governo aqui, fica gritando aquele papo furado, falando de inflação a 10%, há inflação, sim, o mundo todo está com inflação, mas tivemos inflação de 10% com a Dilma e sem pandemia".

O candidato Sergio Moro (Podemos), por sua vez, tenta matar dois coelhos de uma só cajadada. "Bolsonaro está a baixar o preço dos combustíveis e da energia para ganhar as eleições mas vai gerar recessão", acusou o ex-"superministro" do atual governo. "Não pode fazer isso só para ganhar eleições, já vimos esse filme com a Dilma em 2014, a minha impressão é que o Bolsonaro-2022 é a Dilma-2014".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt