Diário de uma bebé ou o mundo visto pela Mariana
Primeiro alerta, quem assina isto é a minha mamã. Pedi-lhe esse favorzinho porque ela é jornalista. Podia ser por eu só ter 8 meses, mas nada disso. É mais porque ainda não tenho carteira profissional. E não queremos problemas, certo? Bom, também podia ter pedido ao papá. Afinal ele também é jornalista (já perceberam em que raio de família nasci?). Mas voltando atrás, eu sou a Mariana. E este é o meu diário. Sim, desde o dia em que nasci - na maternidade do hospital de Setúbal a 17 de Agosto de 2010 - decidi registar tudo o que acontecia comigo. Entre vacinas, mudanças de fraldas, gotas cor-de-rosa e idas ao Alentejo, aguentei cinco meses este projecto e agora decidi partilhar com vocês as minhas melhores aventuras. Os papás ainda resistiram, mas lá concordaram apesar de a nossa intimidade ficar um pouco exposta. E agora que a filha já publica textos numa revista, até estão a pensar propor o meu diário a uma editora. Até ao Nobel - ouvi dizer que é uma coisa importante que os escritores ganham - é só um passinho... de bebé, eh, eh, eh.
TERÇA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 2010
Ufa! Finalmente nasci. Eram quase sete da manhã. Percebi que se passava alguma coisa quando comecei a sentir a meio da madrugada a minha cabecinha cada vez mais apertada na barriga da mamã. Depois uns senhores simpáticos de bata branca tiraram-me cá para fora num abrir e fechar de olhos (literalmente). Chorei em estilo de soprano como é da praxe mas tive de esperar ainda algum tempo que a mamã semidespertasse para me dar mama. E passei o resto do dia a ouvir contar às visitas que estava para ser parto natural, mas que à última hora os médicos se decidiram pela cesariana, seja lá isso o que for. E o meu papá, num estilo empolgado, não parava com os elogios ao sistema nacional de saúde, seja também isso lá o que for. Digamos que foi um começo agitado, embora sem dramas. E fiquei a conhecer além da mamã (que linda, mas sou suspeita), o papá, os avós e os tios, que me foram todos visitar ao hospital em Setúbal. Ah! E ainda o meu mano Daniel, que já tem 10 anos e que me encheu de beijos melosos (aaaarrrghhhhh). Pelo que entendi é meu meio-irmão, por parte do pai. Já vi que somos uma família cheia de modernices. Tenho de começar a preparar-me para os aturar a todos. Há que ter coragem!
QUARTA-FEIRA, 18 DE AGOSTO
A mamã esta noite ficou muito stressada. E tudo, imaginem, por causa do meu cocó! Pronto, é verdade que chorei (ok, acho que gritei, mesmo!) a pedir ajuda para que aquela pasta viscosa me saísse pelo rabo. E que só quando me meteram uma coisa fresca e gelatinosa lá dentro é que consegui. Deviam ter visto a felicidade da mamã. Nem se queixou quando sujei a terceira fralda seguida! E quando as visitas chegaram, claro, a conversa não podia deixar de andar à volta do assunto. Já vi que os meus problemas de barriguinha são muito populares. A competir com eles, só mesmo o papá, que fez hoje 39 anos. E (já lhe estraguei o protagonismo por muitos anos, eh, eh, eh). Mas hoje até teve direito, em pleno hospital, a prenda da avó Joaquina. É a minha avó do Alentejo, que como de costume trouxe coisas doces ao genro setubalense apesar de ele estar sempre a dizer que está de dieta. A mim, a barriga do papá pareceu-me bem fofinha quando me deitou lá em cima. Nesta, estou com a avó!
QUINTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO
Depois de me apalpar as pernocas e de me olhar muito para os olhinhos, a doutora disse à mamã que eu podia ir para casa. Quem não pode sair ainda é mesmo a mamã, que está cheia de agrafes na barriga por causa da tal cesariana. Por isso, tivemos direito a mais uma ronda de visitas. Desta vez, a vedeta foi a bisavó Stela, a avó do papá que tem 87 anos. Coitada! Quando finalmente conseguiu chegar ao quinto piso do hospital de Setúbal apanhou-me a meio de uma dorzita de barriga. Conclusão: Só viu a bisneta a chorar! A mamã ainda tentou salvar a situação e dar-me mama (ainda não tinha descoberto as «milagrosas» gotas cor-de-rosa que acalmam os bebés, apesar de o papá já conhecer o segredo) para me calar, mas acho que não causei lá muito boa impressão!! Entretido a contar histórias de quando esteve em Moçambique, o avô Leonídio é que nem parece ter dado por nada. Sim, além do papá, há mais um Leonídio na família. Já vi que gostam de nomes estranhos e nas últimas quatro gerações só o mano Daniel escapou. Ufa, ainda bem que sou menina. Assim só fiquei com o Tecedeiro da mamã. Até pode ser difícil de perceber, como se viu pela senhora do registo que aqui esteve ontem no hospital, mas do mal o menos!
SEXTA-FEIRA, 20 DE AGOSTO
Hoje vou para casa. Os papás também têm uma pequenina em Lisboa, mas por agora vamos ficar na de Setúbal. Ouvi dizer que tenho um quartinho bonito, com um bercinho verde e uma colecção de bonecos doada pelo mano Daniel. Mas espera? Faralhão?? Parece que afinal os papás tinham planos para que fizesse a minha primeira visita «social» ainda antes de ir a casa. E não encontraram nada melhor do que levar-me quando foram buscar a roupa passada à senhora... no Faralhão. Nome estranho o desta terra!! Mais um para juntar à colecção! Finalmente em casa, quando eu pensava que ia ficar sossegadinha entre mamar, uma muda de fralda e uma sessão de beijinhos pegajosos do Daniel (aaaaaarrrghhhhhh, de novo!!!), o espírito aventureiro do papá voltou a entrar em acção. Desta vez, a viagem foi até à esplanada do Pingo Doce. Pronto, está bem, é só atravessar a estrada, mas aquilo mais parecia um safari, com os carros a não pararem nos semáforos e as velhinhas a comentarem: «É tão pequenina!»
SÁBADO, 21 DE AGOSTO
A mamã deu-me o pequeno-almoço (sempre leite, claro) e saí com o papá e o Daniel. Fomos à baixa de Setúbal comprar os jornais. Apareceu então uma senhora loira e muito alta. E o mano foi ter com ela para lhe dar um beijo. Sentou-se connosco e ofereceu-me um bonito boneco, dos tais que quando eu tiver força posso apertar e faz barulhos. Percebi que se chamava Isabel e, de repente, fez-se luz: era a mamã do Daniel. Eu tenho mesmo que me habituar a estas modernices. Devo acrescentar que dormi a maior parte do tempo, abrindo de vez em quando os olhos para acompanhar a conversa. Claro, falavam de mim, mas também da nova escola do Daniel. Quando regressei a minha mamã ficou toda aliviada. Temia que eu ficasse com fome e fizesse uma grande birra, mas eu sou uma menina bem comportada (às vezes, eh, eh, eh).
SEGUNDA-FEIRA, 23 DE AGOSTO
De manhã os papás puseram-me toda bonita para ir ao centro de saúde fazer o teste do pezinho, ou lá como eles dizem. Não sei o que é, mas não soa a boa coisa. Por isso, meteram-me no ovo e lá fomos a pé até à Praça do Brasil. Fomos só os três, o Daniel tinha ido passar o dia com a mãe. Só quando chegaram ao centro de saúde é que os papás perceberam que tinham de marcar hora. A mamã entrou em stress (chora muito, mas ouvi dizer que é coisa de mães) e o pai lá acalmou as coisas e vamos ter de voltar amanhã. À tarde fui conhecer Lisboa. Quando saí do carro ao colo da mamã senti uma coisa molhada na cara. Pela conversa dos papás era chuva e parece que não é hábito cair em Agosto... Mas nem as bizarrias do tempo os impediram de me levar a jantar ao Colombo. Tanta loja! Gostei sobretudo de estar na praça central ao colo da mamã a mamar enquanto ouvia música clássica. Na casa lisboeta é que foi pior: o papá, com o seu lendário jeito para tarefas manuais, não conseguiu montar o muda-fraldas e o meu banhinho teve de ser encurtado porque os papás se esqueceram de tapar a banheirinha e inundaram a casa de banho!!! Coitados dos papás: são tão desajeitados, mas eu gosto deles na mesma! À noite, o papá deu-me mais uma dose de música. Estivemos os dois a ouvir Bach e Debussy no computador dele. Eu já disse que a barriguinha do papá é muuuuuito confortável?
TERÇA-FEIRA, 24 DE AGOSTO
Bem me parecia que essa coisa do teste do pezinho não podia ser boa! E tinha razão. Depois de me pesar, a doutora pediu aos papás para me despirem. E lá estava eu, nuazinha como vim ao mundo, a ser obrigada a dar passinhos e a ser puxada pelos braços. Mas também não me calei: chorei o tempo todo com vontade! E quando me puseram outra fralda e pensei que estava a acabar a tortura, veio o pior. Deram-me uma pica no pé que me deixou ainda mais zangada. Até a doutora comentou que tenho mau feitio!
QUARTA-FEIRA, 25 DE AGOSTO
Hoje fui pela primeira vez ao McDonald"s. Ainda não comi hambúrgueres, nem aquelas coisinhas fritas de frango com ar suspeito de que o mano tanto gosta e a que chama nuggets, mas aproveitei o fresquinho para dormir uma soneca. O pior foi depois. Quando os papás me meteram no carro, estava tanto calor e a fominha começou a apertar, por isso fiz uma daquelas birras dignas de uma futura cantora de ópera. Mas desta vez a mamã já tinha as gotinhas cor-de-rosa à mão. E depois da mama, meteu-me na cama, mas eu queria mesmo era estar ao colinho e perto dela e do papá, por isso choraminguei até me irem buscar!! Um bom truque, este de chorar, acaba sempre por vir alguém buscar-me. Mas parece que o papá já percebeu e tem uma teoria. «Será que ela se sente sozinha?», perguntou. Ao que a mamã respondeu: «Se calhar devíamos mandá-la ao psicólogo!» Acho que os papás andam a ver demasiados filmes do Woody Allen. À noite não foi o senhor dos óculos que nos fez companhia, foram os Monty Python. Enquanto eu dormia mais uma sestinha, os papás e o Daniel viam um espectáculo que aqueles senhores divertidos deram em Londres pelos quarenta anos de carreira. Estavam tão animados que até cantaram. Pronto, não são nenhuns tenores, mas serviu pelo menos para embalar!!
SEXTA-FEIRA, 27 DE AGOSTO
Ena, grande momento: a minha primeira ida ao Alentejo. É verdade. Mal tive tempo de ver os avós Joaquina e Daniel (sim, o avô tem o mesmo nome do mano. Que originais!!!) depois de nascer, que já eles tinham desaparecido. Pelo que ouvi dizer, foram de férias à Suíça. Parece que a mamã viveu lá com os avós e o tio Duarte até ela ter 13 anos. Desde então, nunca mais lá tinham voltado. E decidiram ir matar saudades dos sítios onde viveram. Agora que voltaram, cá vim eu em exibição a Montemor (o-Novo, como gosta sempre de esclarecer a mamã para os mais distraídos, não vão eles confundir com o-Velho, perto de Coimbra). O Montemor da mamã fica perto de Évora. Mal cheguei, comecei logo a ser mostrada a toda a gente. Primeiro foi para a família: o tio Duarte, a tia Lucília e o primo Jorge vieram jantar a casa dos avós. O primo Jorge tem a mesma idade do mano Daniel - dez anos - mas tem um sotaque mais engraçado! Arrasta as palavras! Eu portei-me que nem um anjinho.
QUINTA-FEIRA, 9 DE SETEMBRO
Mais uma ida para Lisboa! Com o papá já a trabalhar, eu e a mamã adaptamo-nos aos horários dele. E os papás levam tanta coisa! Ele é o meu ovo e o carrinho, ele é a minha alcofa e a base onde a meter, ele é a minha mochila com as minhas roupinhas, documentos e outras coisas, ele são as roupas da mamã (as antigas ainda estão longe de lhe servir... mas não lhe digam nada!). Ah, e as compras do supermercado! Uma tralha que custa a caber no carro apesar de o mano ter ficado com a mãe dele... Quando chegamos a Lisboa, os papás voltam a tirar tudo do carro e a carregar até casa. Uma canseira!
DOMINGO, 19 DE SETEMBRO
Grande dia! Hoje fui pela primeira vez à praia. Fui com a mamã, o papá e o Daniel no meu carrinho até ao rio. Aí, entrámos num grande barco verde alface. Os papás chamaram-lhe catamarã. Não sei o que é isso, mas o tal barco levou-nos muito depressa até Tróia. Até agora só tinha visto a península a partir de Setúbal, mas isto está muito giro. Tem muitos barquinhos ali parados e umas esplanadas na marina. Mas os papás preferiram sentar-se num cafezinho junto à areia para o Daniel ir ao banho enquanto eles liam os seus livros. Eu não imitei o Daniel. Ainda. Parece que sou muito pequenina para estar na areia, apanhar sol e ir à água. Além disso, não tenho fato de banho. Também não ia tomar banho de fralda, certo!!!??
TERÇA-FEIRA, 21 DE SETEMBRO
Esta noite foi a aventura. Finalmente fui conhecer o tal DN de que os papás estão sempre a falar. O sítio onde os papás trabalham é giro, tem muitas secretárias, computadores e pilhas de papéis e jornais! E parece que costuma estar cheio de gente barulhenta, mas como era quase meia-noite estava só lá meia dúzia de pessoas. Espero que um dia me tragam cá para ver a «loucura» da hora de fecho. Mas todos os que cá estavam juntaram-se logo à minha volta. E, claro, não podiam faltar os comentários sobre as parecenças. Desta vez ganhou o papá. Todos acharam que sou «igual» a ele.
QUARTA-FEIRA, 6 DE OUTUBRO
Foi a minha primeira noite no bercinho. Tudo porque ontem a minha barriguinha doía e fiz um cocó tão grande que «voou» até à alcofa que estava ao lado da cama onde a mamã me estava a mudar a fralda. Resultado: a mamã teve um ataque de riso e foi obrigada a meter os lençóis e a capa da alcofa na máquina de lavar! Eu até gostei do bercinho. Até agora só lá tinha dormido umas sestas, mas tem mais espaço do que a alcofa. Como fica no quarto, a mamã é que teve de dormir no beliche, para ficar mais perto de mim. Confesso: senti falta do ressonar do papá, mas gostei da minha caminha nova!
QUINTA-FEIRA, 14 DE OUTUBRO
Quando os papás me meteram um supositório (não vou comentar o facto de ter imediatamente tido efeitos menos desejados e terem tido de meter um segundo...) logo de manhãzinha, devia ter desconfiado que preparavam qualquer coisa. Só não imaginei que fosse levar três picas. É verdade! Hoje foi dia de vacinas. E levei logo três de uma vez. Claro que chorei com os pulmões todos quando a senhora enfermeira me picou nas pernas. Mas o papá foi solidário e levou também uma pica. A dele foi no braço e parece que é contra o tétano... seja lá isso o que for! De volta a Lisboa - com os papás e a tralha toda -, a mamã estava com medo de eu ter febre por causa das vacinas, mas estive só um pouquinho mais resmungona do que é habitual. Eheheh!!
SEXTA-FEIRA, 22 DE OUTUBRO
Esta manhã fui com os papás visitar um sítio onde havia muitos bebés e meninos pequeninos. Fica em Benfica, ao pé de casinha de Lisboa e parece que é para lá que vou quando a mamã voltar a trabalhar, em Janeiro. Já sei que vou ter saudades dos papás, mas o infantário é muito giro, com muita luz, muitos brinquedos e muitas senhoras com ar simpático que estavam a tomar conta deles. E como percebi que os papás queriam mesmo que eu fosse para esta escolinha, até fiz muitos sorrisos para a senhora directora. Mal não havia de fazer e assim ela elogiou-me: disse que eu era muito calminha e bem disposta! Deviam ter visto o ar de alívio dos papás quando ela disse que só havia uma vaga neste momento. Com tanta falta de berçários públicos (como diz o papá com ar muito irritado) nem se importaram de ter de começar a pagar já. E pelo que percebi não é nada pouco. Mas acho que eles estavam mesmo a ficar preocupados por não saberem onde é que me iam deixar quando estiverem os dois a trabalhar. Até estavam a pensar deixar-me com a avó Joaquina e ir todos os dias para Montemor! Enfim, agora está resolvido. Só falta saber qual dos dois me irá buscar às 19h30... e onde é que vou ficar até eles saírem do DN...
SEGUNDA-FEIRA, 8 DE NOVEMBRO
Estranho! Quando acordei às 04h30 para mamar, os papás já estavam os dois levantados! É que quando choro a meio da noite porque me dá a fome, costuma ser só a mamã a vir ter comigo. E costuma estar com um ar bem mais ensonado - e desgrenhado! - do que está hoje. Claro que quando me vestiram, pegaram nas tais malas que encheram ontem, as meteram num táxi e saíram à entrada de um edifício muito grande é que percebi tudo: aquilo era o aeroporto e é hoje que vou andar pela primeira vez de avião, numas miniférias para destressar a mamã. Ela estava um bocadinho nervosa, mas eu portei-me lindamente no voo para Roma. Dormi, ri-me para as senhoras hospedeiras (a mamã diz que agora se chamam assistentes de bordo, vá-se lá saber porquê!!) e até mamei. Claro que também fiz cocó e a mamã teve de me mudar a fralda em cima do colo do papá!!! Mas acho que me portei melhor do que os papás estavam à espera. E mal dei por mim, já estava em Roma, rodeada de monumentos muito antigos, sobretudo um muito grande, semidestruído, chamado Coliseu! O pior foi que me deu o sono e passei quase todo o tempo a dormir!
SÁBADO, 20 DE NOVEMBRO
Hoje de manhã a mamã embonecou-me toda e saiu à pressa. Só depois percebi que íamos ter com o papá ao Diário de Notícias para almoçar. Desta vez estava mais gente (talvez porque da primeira vez que vim ao jornal já passava da meia-noite), mas mesmo assim não havia o rebuliço de que os papás tanto falam. Eu portei-me muito bem e comecei logo a rir ainda antes de entrar, quando a mamã encontrou um colega que se meteu comigo! Ia jurar que já conhecia a voz dele... Acho que ele costumava estar naquelas reuniões a que fui na barriguinha da mamã. Aquelas em que me entretinha a dar pontapés! Depois, já dentro da redacção, fiz o meu melhor sorriso para umas senhoras simpáticas que não resistiram a pegar-me ao colo. Acho que causei boa impressão! O almoço foi no chinês onde os papás costumam ir. Mas aí adormeci e nem as gargalhadas dos papás e dos dois colegas que estavam a almoçar com eles me incomodaram. Até a mamã se animou e voltou a dizer umas coisas que o papá diz serem «menos próprias para uma senhora»! O dia estava a correr bem até tentarmos regressar a casa de autocarro. É que se para lá o 746 foi tão agradável que me senti embalada, no regresso o Marquês de Pombal estava cortado ao trânsito por causa de uma manifestação contra a cimeira da NATO que estava a acontecer em Lisboa. Bom, eu não sei bem o que é a NATO, mas havia muitas pessoas que pareciam irritadas com ela. Irritada ficou também a mamã quando teve de ir a pé, a empurrar o meu carrinho, até à Gulbenkian, para apanhar o 746. Mas lá chegámos a casa sãs e salvas...
SEXTA-FEIRA, 10 DE DEZEMBRO
Hoje fui pela primeira vez ao hospital. Bom, isto se o dia em que nasci não contar, claro! É que há vários dias que eu andava com o olhinho vermelho, mas foi quando viu pus a sair de lá que a mamã entrou em stress. E quando ligou para o dói-dói trim-trim a senhora enfermeira que a atendeu mandou-a levar-me às urgências. Então lá apanhámos um táxi para o Hospital D. Estefânia. Bem, nunca tinha visto tantos meninos doentes juntos! Mas como a senhora que nos atendeu ao telefone já tinha avisado que íamos a caminho, foi tudo muito rápido. Chamaram-me, meteram-me um aparelho no ouvido para ver se tinha febre e mandaram-nos esperar numa salinha com outros três meninos. Mal tive tempo de ver tudo com atenção que já nos chamavam de novo. A senhora doutora olhou para o meu olhinho e receitou umas gotas e uma pomada. E pronto! Já estava. Até a mamã ficou espantada com tanta rapidez! O meu pai claro, voltou a elogiar o sistema nacional de saúde e a resmungar contra os que falam mal dele.
SEXTA-FEIRA, 24 DE DEZEMBRO
De volta a Setúbal e com o papá em casa de folga, fomos buscar o mano. Mas ele estava muito constipado. Nem quis dar-me beijinhos, imaginem!!! A mamã é que tentou entrar no espírito natalício e durante a tarde foi comprar um pinheirinho muito giro, com neve falsa e tudo. Mas teve de o enfeitar sozinha porque o mano estava em baixo, deitado no sofá e o papá estava a dormir porque anda exausto! Ah, e eu sou muito pequenina para ajudar, claro! À noite, o jantar foi em casa da avó Belinha. Estavam lá também a tia Paula e o tio Jorge. Só faltava o mano, que entretanto foi jantar com a mamã dele. Ah e faltava também a cadela Becas, e a gata Vadia estava trancada no quarto por causa de mim. Bacalhau e couves, parece que é tradição. E no fim todos trocaram presentes. Eu fui a única que recebi e não dei nada!!! Entretanto adormeci e quando acordei já estava em Montemor. É que a ceia foi em casa do tio Duarte, da tia Lucília e do primo Jorge e depois de mais uma troca de presentes, lá fomos dormir para casa dos avós!
SEXTA-FEIRA, 31 DE DEZEMBRO
O meu primeiro ano está a acabar. Mas ainda houve tempo para numas folgas do papá irmos até aos picos da Europa. Umas montanhas muito altas, com muitas curvas para lá chegar. Sim, é que eu vim com os papás e o mano passar uns dias a uma terra espanhola chamada Oviedo. É muuuuuuuito longe. Demorámos muuuuuuuuito a chegar cá. Mas hoje vi neve pela primeira vez! É branca e fria e fofa. Quando for grande vou querer brincar com ela. À noite, para celebrar, os papás decidiram que não iam ficar stressados (para variar!). Por isso passámos o ano no quarto do hotel. Claro que, como estavam todos cansados, o mano adormeceu ainda antes da meia-noite, o papá também, com os jornais espanhóis espalhados à volta dele. A mamã e eu éramos as duas únicas acordadas. E à meia-noite ela comia pêssegos em calda, enquanto me segurava a mão! Bom, não sei se todas as passagens de ano são assim, mas eu gostei!
TERÇA-FEIRA, 4 DE JANEIRO
O que será que deu na mamã, que insiste em dar-me biberão? Pior, durante a noite até me conseguiu enganar durante um bocado, mas só porque eu estava meio a dormir! Bom, mas como sou uma boa menina, durante o dia lá fui bebendo uns bocadinhos daquele leitinho. Até nem é mau... não é maminha, mas... enfim, à noite lá bebi tudo o que a mamã meteu no biberão. Mas como se não chegasse a história do biberão, a mamã ainda insistiu que eu devia comer uma coisa estranha, esverdeada, a que ela chama sopa! Sopa, burgggghhhhh! Eu bem experimentei, mas aquilo tem um sabor estranho!! Que saudades que tenho de quando só me davam maminha! Claro que só percebi porque é que os papás andam tão estranhos quando eles me levaram de novo àquela escolinha onde já tínhamos estado. Parece que a mamã está quase a voltar ao trabalho e que eu vou ficar aqui com estas senhoras. Bem, pelo menos pareceram simpáticas. E têm muuuuuuuuuiiiiitos brinquedos! Mas nos primeiros tempos só vou lá almoçar. O meu papá tirou um mês de licença de paternidade e vai ficar comigo quase todo o dia. Ele está entusiasmado com o mês que vai ter de me aturar a toda a hora (ou eu a ele) e está sempre a dizer que fez o mesmo com o Daniel e que gostou muito da experiência.