Diário da República sem tretas: tudo para ler à borla
Em tempos, Helder Guerreiro cansou-se de tentar fazer um simples link para uma qualquer lei publicada no Diário da República Eletrónico - todos os dias tentava uma operação simples e esbarrava num site que era tudo menos fácil de navegar, que obrigava os cidadãos a pagarem por conteúdos e tinha uma pesquisa pouco prática.
Este engenheiro mecânico resolveu contornar as dificuldades criando ele próprio um site, o "DRE Tretas", onde era possível pesquisar e ler aquilo que o Diário da República oficial não deixava. "Tenho um site, que se chama Tretas.org, que tenta funcionar como um wiki da política portuguesa, onde vou publicando casos mais escabrosos da nossa política. Muitas vezes nesse site era necessário fazer uma ligação para leis e eu não tinha forma de linkar para essa determinada lei. Já estava chateado e decidi fazer isto", explicou aos jornalistas.
Agora, Helder Guerreiro pondera o futuro do seu site - depois de ontem o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Prata Roque, e a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, terem apresentado e mostrado o novo Diário da República Eletrónico, sem tretas: é gratuito, a pesquisa é fácil e tem acesso a todo o processo legislativo.
"Muitos dos problemas que apontei foram resolvidos", apontou Helder Guerreiro, que nomeou (no seu site) "um motor de busca, rápido, que permite aos cidadãos encontrar o que procuram; listas de revogações, retificações, modificações, regulamentações; legislação consolidada; dados gerais - com análise rápida do diploma; [e] ligações para o Direito Comunitário".
O engenheiro mecânico foi uma das pessoas que o Governo chamou para melhor se aconselhar sobre o novo DRE, feito "com o saber e a tecnologia" pela prata da casa, ou seja, os serviços e pessoas da Administração Pública, como sublinhou o secretário de Estado, e que significa menos 310 mil euros no orçamento da Imprensa Nacional Casa da Moeda.
Miguel Prata Roque mostrou ontem a uma plateia de governantes, juízes e advogados, estudantes de Direito e representantes de empresas e sindicatos, essas novas funcionalidades que o DRE proporciona a quem o consulta, desde a meia-noite de segunda-feira.
Aos jornalistas o secretário de Estado concretizaria: "Alguém que queira abrir uma venda ambulante de cachorros quentes, pode escrever "venda ambulante" nesse motor de busca do Diário da República e obter toda a legislação, mas também a regulamentação, as portarias que precisa de cumprir." Ou "uma decisão do tribunal", completou a ministra.
Está lá já (quase) tudo, de facto: há as duas séries quotidianas do jornal oficial, com as leis publicadas; há legislação consolidada; há jurisprudência; um tradutor jurídico, que permite conhecer o juridiquês noutras línguas; ou a legislação régia, de 1603 a 1910.
"Esta não é uma iniciativa isolada, nem poderia ser, se o objetivo é democratizar o acesso às nossas leis", apontou Maria Manuel Leitão Marques, notando que a "acessibilidade começa numa legislação que é menos numerosa e menos labiríntica".
O novo DRE também provoca sorrisos, ao ler por exemplo o alvará régio de 13 de janeiro de 1603, em que Filipe II "prohibe a familiaridade suspeita com Religiosas dos Mosteiros, e decreta as penas para quem cometer coisas suspeitas com freiras, etc.".