Diário da República publicado com duas grafias diferentes
Em causa estão duas declarações de insolvência, ambas assinadas pelo juiz Rui Estrela Oliveira, do segundo Juízo Civil daquele Tribunal, que decidiu não adotar o novo Acordo Ortográfico.
Face a isto, e como a Imprensa Nacional Casa da Moeda não pode alterar a grafia das sentenças judiciais, estas duas declarações de insolvência surgem com a nota: "Por opção do emissor, este ato foi publicado de acordo com a grafia anterior ao Acordo Ortográfico".
A titulo de exemplo, nestes dois textos surgem palavras como "objecto" ou "respectivos", ainda com a grafia antiga, mantendo o 'c' mudo que o novo acordo deixou cair.
Tal como a Agência Lusa revelou esta semana, aquele juiz emitiu uma ordem de serviço proibindo a utilização da nova grafia, alegando que os tribunais não estão abrangidos pela resolução do Governo.
A decisão do juiz Rui Estrela Oliveira consta de uma ordem de serviço datada de 23 de janeiro deste ano e aplica-se a todos os processos e tramitações do segundo Juízo Civil daquele tribunal, sendo justificada pelo próprio, como uma "questão eminentemente jurídica".
O juiz recorda a resolução do Conselho de Ministros de dezembro de 2010, que "determina que, a partir de 1 de janeiro de 2012, o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direção, superintendência e tutela do Governo aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa", para concluir: "Esta antecipação de efeitos não engloba os tribunais, porque não fazem parte do Governo. Não são superintendidos, não são dirigidos nem são tutelados pelo Governo".
Já a publicação do Diário da República está abrangida por esta resolução, o que cria uma situação como a de hoje, em que o mesmo documento apresenta duas grafias diferentes.
Paralelamente, a "preocupação" deste juiz, plasmada na ordem de serviço, vai ainda mais longe e chega à própria interpretação jurídica de textos, conforme a aplicação da nova ou da antiga grafia, dando forma ao segundo motivo.
"Se há campo onde há mais mudanças, na intensidade de utilização de certas palavras, é no Direito. Pode provocar, com o mesmo texto, um sentido totalmente diferente. Isto nunca foi pensado nem acautelado de nenhum modo. Juridicamente é muito importante o que se diz e o modo como se diz", afirma ainda o juiz.
Acrescenta ainda que, face às alterações adotadas," há uma quebra da liberdade" de quem escreve, assumindo ainda a possibilidade de, com a nova grafia, poder haver "uma situação em que o Tribunal não é entendido na sua ordem", sobretudo por quem apenas aprendeu uma grafia em toda a vida.
Por outro lado, este juiz entende que a aplicação do novo acordo ainda "não entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa", classificando a antecipação da sua aplicação como "um bocadinho forçada, tendo em conta as características do Direito".
"" partida, o prazo de adaptação deve ser o mais longo possível para os tribunais", afirma o juiz Rui Estrela Oliveira, reconhecendo um dos efeitos da sua decisão: "Agradecimentos dos advogados. Fundamentalmente isso".
Entretanto, um juiz das varas criminais de Lisboa explicou à agência Lusa que "A norma que vincula os departamentos da administração pública não é aplicável aos tribunais, uma vez que são órgãos de soberania e não se consideram dependentes do Governo".
A resolução do Conselho de Ministros nº 8/2011 determinou a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo no ano lectivo de 2011 -2012 e, a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo, bem como à publicação do Diário da República.
No Tribunal do Barreiro, os juizes também não aplicam o novo Acordo Ortográfico. Contudo, explicou à Lusa um magistrado, "os documentos elaborados pela secretaria são efectuados de acordo com o AO pois são realizados automaticamente pelo sistema informático Habilus".