Dia de São Vapor e o alvoroço nos portos portugueses
O dia de São Vapor, no início do século passado, era o dia em que o navio da empresa Insulana de Navegação atracava num qualquer porto açoriano, proporcionando aos habitantes daquelas ilhas momentos de fortes emoções com a chegada e a partida dos seus familiares e amigos, bem como de curiosidade para saber de notícias e novidades de outras paragens. Quanto mais pequena e periférica era a ilha, maior era o alvoroço entre a população pela chegada do vapor.
No dia 20 de dezembro de 2022 e em consequência de outro alvoroço nos portos nacionais, foram assinados diversos protocolos entre o SEF, PJ, PSP e GNR, numa cerimónia que contou com a presença do ministro da Administração Interna e da Ministra da Justiça.
Recuemos então no tempo até ao mês de outubro do corrente ano, recordando as declarações do Comandante-Geral da GNR (CG-GNR) sobre a forma e conteúdo de como estariam a ser distribuídas as competências do SEF e qual o quinhão que caberia a cada um dos OPC envolvidos (PSP - GNR). De acordo com aquela entidade, ao entregarem-se os portos à PSP, seriam de prever questões graves do funcionamento do modelo, dificuldade na coordenação operacional, falta de resposta às necessidades do serviço público, duplicação de serviço e de meios e conflitualidade entre as forças.
Em 22 de outubro, foi aprovada a Lei n.º 73/2021 com o objetivo de reestruturar o sistema português de controlo de fronteiras, devido à extinção acelerada do SEF pelo governo em funções.
Perante tamanho alvoroço, a Lei então publicada visa reverter o processo inicial de controlo de fronteiras nos portos, dividindo estas infraestruturas ao meio por PSP e GNR, à semelhança do que foi feito em 2007 entre a Marinha/AMN e a GNR, através da publicação do Decreto Regulamentar 86/2007 de 12 de dezembro, como se fosse um novo Tratado de Tordesilhas.
Deste novo Tratado Tordesilhas para os portos constata-se que o controlo de passageiros nos portos marítimos passa para as mãos da GNR em todo o território nacional, mas a PSP, que ambicionava tal competência, estará também nos portos, assumindo a segurança de pessoas e bens, o patrulhamento, a manutenção da ordem pública e a resolução de incidentes tático-policiais nos terminais de cruzeiro integrados na fronteira marítima e localizados na sua área de jurisdição.
CitaçãocitacaoNão haverá duplicação de meios, haverá sim triplicação de meios e de serviço no mesmo local, podendo chegar à quadruplicar com a necessidade da presença da PJ, se se tratar de crime da competência reservada
Na cerimónia em causa, referiu o MAI, em jeito de justificação aos OCS ali presentes que "as forças de segurança estão já a partir de agora habilitadas a cooperar em termos policiais para garantir a segurança e a gestão integrada de fronteiras tendo em vista criar uma cultura de trabalho...".
Perante a afirmação do sr. ministro, proferida de forma displicente, constata-se o total desconhecimento do funcionamento daquelas infraestruturas portuárias. Nos portos nacionais já existe uma força de segurança há mais de 100 anos, especializada nas matérias e espaços do Sistema de Autoridade Marítima (SAM), na dependência do Ministério da Defesa Nacional, que dá pelo nome de Polícia Marítima, polícia esta que foi criada devido à especificidade das atividades ligadas à navegação, do funcionamento e da aplicação das normas respetivas nas zonas portuárias.
Assim sendo e a partir de agora, os portos portugueses serão as infraestruturas mais bem protegidas do país! Com o novo Tratado de Tordesilhas temos não uma, não duas, mas três polícias no mesmo espaço a laborar diariamente. Corroborando com as palavras do CG-GNR, estamos em querer que "serão de prever questões graves de funcionamento do modelo, dificuldade na coordenação operacional, falta de resposta às necessidades do serviço público, duplicação de serviço e meios e conflitualidade entre as forças."
Retificando o CG-GNR, não haverá duplicação de meios, haverá sim triplicação de meios e de serviço no mesmo local, podendo até chegar à quadruplicação com a necessidade da presença da PJ, se se tratar de um crime da competência reservada.
Imagine-se um pequeno porto comercial dos Açores com fronteira marítima, em dia de São Vapor: com este novo Tratado de Tordesilhas em vigor, terá mais polícias em cima do cais do que utentes do mesmo, prevendo-se até que, no caso da Região Autónoma dos Açores, a empresa gestora daquelas infraestruturas se veja na iminência de ter de aumentar os parques de estacionamento para as viaturas de tantas e diferentes policias.
Com a extinção do SEF por este governo, perdeu-se uma vez mais uma excelente oportunidade para reformar o sistema policial português, otimizar de forma coerente os recursos existentes, ao invés de promover nova fuga para a frente, criando na opinião pública a impressão de estar a resolver um problema com uma solução arrojada, quando na verdade o que o governo está a fazer é a fugir dele!
Associação Socioprofissional da Polícia Marítima