Dia da Vitória: lições para o futuro

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A 9 de maio de 2023 comemoramos o 78.º aniversário da Vitória na Grande Guerra Patriótica. Esta festa, como se canta na Rússia, uma "alegria com lágrimas nos olhos", serve para homenagear a memória e a façanha de todos os cidadãos soviéticos que nos anos da Segunda Guerra Mundial conseguiram o impossível e - junto com os aliados - derrotaram a Alemanha nazi, libertaram a Europa da "peste castanha". Relembro que o papel-chave naquela Vitória era do povo soviético que, para a alcançar, pagou o último preço de 26,6 milhões de vidas humanas.

O significado da Vitória sobre a máquina de morte hitlerista não pode ser menosprezado - teve o impacto colossal no destino da humanidade. Depois da guerra foram lançados os alicerces da interação entre Estados que vigoram até hoje. Criada em 1945, a Organização das Nações Unidas tornou-se o mecanismo central destinado ao asseguramento de preservação e desenvolvimento da ordem mundial, assente no Direito Internacional.

Nos tempos pós-guerra testemunhámos várias vezes como o mundo enfrentou sérios conflitos e crises. Talvez, o mais grave tenha sido a Crise dos mísseis de Cuba (também conhecida como Crise dos Caraíbas) de 1962, quando nas condições de falta de confiança mútua entre as duas grandes potências nucleares - a URSS e os Estados Unidos - o mundo ficou à margem da guerra devastadora. No entanto, naquela altura a sabedoria prevaleceu: as partes encontraram a possibilidade de baixar a tensão e conseguiram chegar, no espírito de pragmatismo e consciência da sua responsabilidade especial pela segurança global, a um acordo mutuamente aceitável.

Seria justo afirmar que desde a criação da ONU a situação no nosso planeta, na nossa casa comum, tornou-se mais tranquila? Sim, mas apenas até ao momento quando entraram no jogo decisões unilaterais e ações sem mandato da Organização Mundial, quando os países do Ocidente coletivo começaram a impingir a sua ordem mundial, assente em regras. Que regras e por quem escritas? Tais passos irresponsáveis, pelo contrário, geravam conflitos armados e agressão - injustificada, não-provocada, cruel - em relação aos Estados soberanos. Jugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, - os cidadãos destes países conheceram da própria experiência o preço da "democracia exportada" americana, que trouxe vítimas inumeráveis, gerou caos e fluxos de refugiados, partiu milhões de destinos humanos.

Hoje estamos a assistir a quebra tectónica do relevo geopolítico. E para sairmos desta situação são necessários, como nunca, a sensatez nas abordagens, o pragmatismo, a razão, a recusa de falsidades, a diplomacia (e não o combate contra diplomatas). Madurada durante anos e provocada pelos países do Ocidente coletivo, a crise ucraniana teve perspetivas de ser resolvida por via diplomática: em março de 2022 foram criadas premissas necessárias, as partes aproximavam-se duma resolução pacífica. Um certo progresso neste sentido foi atingido no âmbito das conversações em Istambul a 29 de março: a parte ucraniana apresentou disposições concretas para serem incluídas no tratado da paz (nomeadamente, a confirmação do estatuto neutral e desnuclearizado da Ucrânia), que foram tomadas em consideração na preparação do projeto do respetivo documento. Lamentavelmente, todos estes esforços deram em nulo sob a pressão do Ocidente, que prometeu ao regime de Kiev um dita "vitória militar" sobre a Rússia e o convenceu de rejeitar o processo negocial em troca da ajuda militar que já vale dezenas de mil milhões de euros.

Na véspera do dia 9 de maio convém relembrar mais uma vez que o presente conflito não tem a ver com a Ucrânia, que pela vontade da NATO, apoiada pela União Europeia, se tornou um campo de batalha para a projeção de força contra o nosso país. Hoje temos que falar sobre o destino da humanidade, e tudo ainda está nas nossas mãos. A diplomacia russa não vê alternativas à multipolaridade genuína, baseada no Direito Internacional, e é exatamente por isso que no novo Conceito da Política Externa, aprovado pelo Presidente da Rússia Vladimir Putin a 31 de março de 2023, está consagrado que o nosso país pretende dar prioridade ao restabelecimento do "papel da ONU como mecanismo central de coordenação para alinhar os interesses dos países membros da ONU e as suas ações no sentido de alcançar os objetivos da Carta da ONU".

É apenas assim, e não através de quase-iniciativas clandestinas, que é possível encontrar saída de situações mais difíceis e insolúveis à primeira vista.

Embaixador da Rússia em Portugal

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