Dez anos depois, "Operação Furacão" chega a julgamento
Dez anos depois de o processo ter provocado um vendaval de buscas em algumas das maiores empresas do País, os primeiros 14 arguidos acusados na "Operação Furacão" começam, hoje, a ser julgados. Estão em causa crimes de fraude fiscal qualificada, a qual, segundo o Ministério Público, passava por proporcionar a várias empresas esquemas de "optimização fiscal", que na prática significavam fuga aos impostos.
O principal arguido é o consultor Diogo Viana, que criou o grupo FINATLANTIC, em 1993, na Irlanda, através do qual montou um esquema de faturação fictícia para ser utilizado pelas empresas, a troco de uma comissão. Isto é: a sociedade promotora criava empresas em offshore, as quais emitiam faturas de prestação de serviços a sociedades portuguesas. Estas, por sua vez, apresentavam tais despesas em sede de IRC, o que lhes garantia benefícios fiscais.
Neste processo, o MP sustenta que os arguidos Fernando Pombo e Nuno Pombo, através das sociedades Coltemp e SPSO, desenvolveram esquemas de fuga ao fisco que prejudicaram o Estado em 22 milhões de euros. Diogo Viana, que é acusado de 16 crimes de fraude fiscal qualificada, em co-autoria com outros arguidos ou com sociedades, não procedeu à regularização da sua situação tributária, assim como não o fizeram as empresas Novo Tipo Europa, Integrar, Continental Importadora e Sabel e CPSO e Coltemp.
De acordo com a acusação, o arguido Diogo Viana concebeu um esquema que passava pela utilização de empresas de fachada no estrangeiro e de sociedades em zonas off-shore (Ilhas Virgens Britânicas, Belize, S.Vicente e Grenadinas, Caimão e Delaware (EUA) por forma a obter faturas que sabia não corresponderem aos serviços, às mercadorias e aos preços reais. São também arguidos os advogados Tiago Vaz Mascarenhas (acusado de 16 crimes de fraude fiscal qualificada), Pedro Calisto (10 crimes de fraude fiscal qualficada) e João Nunes Mendes (oito crimes de fraude fiscal qualificada), praticados em co-autoria com Diogo Viana. O arguido Tiago Vaz Mascarenhas é filho de José Vaz Mascarenhas, antigo presidente do Banco Insular de Cabo Verde, que teve um papel crucial nos negócios ruinosos do antigo BPN.
Outros arguidos são o empresário Júlio Figueiredo (um crime de fraude fiscal), António Brochado (três crimes de fraude fiscal em co-autoria), os empresários Durvalino Neto e Maria José Neto (ambos acusados de um crime de fraude fiscal em co-autoria com a sociedade arguida Novo Tipo Europa), a consultora Maria Joaquina Patriarca (fraude fiscal em co-autoria com a sociedade arguida Integrar), Fernando Anselmo Sousa Duarte (fraude fiscal através das sociedades Continental e Sabel) e o engenheiro Fernando Pombo e o empresário Nuno Pombo (acusados de um crime de fraude fiscal em co-autoria através das sociedades CPSO e Coltemp).
Empresas como a Medicina Laboratorial, Graphicsleader, Novo Tipo Europa, Dermoteca, Intyme, Marina Mota/Produção e Comercialização de Espetáculos, Integrar, Argos Soditic e Apamilux, Iber Oleff, Miguel Pais do Amaral e sociedades conexas do grupo Media Capital e Fernando Amorim e sua sociedade Circutios e Imagem e as firmas por este angariadas Barata e Ramiro, Contra Corrente e Costa e Garcia foram empresas que aderiram ao esquema fraudulento, lesando o Estado em mais de 12 milhões de euros na cobrança de IRC, IRS e IVA, entre 2001 e 2007.
No total, os esquemas de fraude praticados pelos arguidos, segundo o Ministério Público (MP), terão causado um prejuízo ao Estado superior a 36 milhões de euros, faltando regularizar às finanças perto de 26,2 milhões de euros. Segundo os autos, os arguidos conexos com a FINATLANTIC desenvolveram ainda, com a intervenção do piloto de automóveis Fernando Amorim, esquemas que proporcionaram a obtenção de vantagem fiscal para o próprio, para a sua sociedade Circuitos e Imagem, e para as sociedades Barata e Ramilo, Contra Corrente e Costa e Garcia.
Dado o volume do processo, o julgamento poderá prolongar-se durante vários anos.
142 milhões nas suspensões
Na reta final de 2015, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal avançou com três acusações na "Operação Furacão". Estas disseram respeito aos chamados "promotores da fraude", isto é, a sociedades que venderam junto das empresas o pacote de optimização fiscal, e a aderentes ao esquema que não quiseram optar pelo regime de suspensão do processo, proposto pelo MP. Este dispositivo legal permitiu que o Estado arrecadasse 142 milhões de euros de impostos em falta.
A receita foi simples: o Ministério Público abordou os participantes no esquema, avançando-lhes um valor de imposto em falta. Estes aceitaram e pagaram e o respetivo processo ficou suspenso durante dois anos até ao arquivamento: o empresário Miguel Paes do Amaral, a atriz Marina Mota e o Casino do Estoril acabaram por pagar os impostos na modalidade proposta pelo MP.