"Devem inquietar-nos os números dos mortos cujos corpos ninguém reclama"

Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, analisa a pobreza em Portugal no pós-pandemia e deixa recomendações para as políticas públicas e para o próximo Orçamento do Estado.
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A Santa Casa fez o funeral a 212 mortos (de um só ano), cujos corpos numa foram reclamados. Uma acção social que data de quando?

Julgo que desde sempre, desde há 500 anos que enterrar os mortos faz parte da missão da Santa Casa.

Estas situações têm vindo a aumentar, em particular no último ano. Acredita que o número atingido é resultado da pandemia?

Sim, muitas situações aumentaram com a pandemia. Não há certeza de que foram mortes exatamente por covid-19, mas um crescimento tão grandes destes números tem que ver com a pandemia. Não podemos ficar indiferentes a estes números, eles devem inquietar-nos.

Além da covid-19, o isolamento agravou as situações de pobreza?

A pobreza e o isolamento são situações de grande preocupação que têm vindo a aumentar, sobretudo na pandemia, e a que temos de estar mais atentos.

A cidade tem obrigação de conhecer a dimensão destes números e consciencializar-se para as suas causas e para esta situação de abandono em que vivem e morrem muitos dos seus habitantes, idosos e não só. Será o tema do envelhecimento da população o grande desafio desta década?

Sim, é o desafio da década e a longevidade é o desafio que temos pela frente em termos societais. Vai ser preciso equilibrar o sistema e a forma como o país dará sustentabilidade, até financeira, a este tema. Se outrora era o solidão e o isolamento que mais nos preocupavam, agora é também a longevidade.

De que forma as políticas públicas deveriam acompanhar este grande desafio?

Será preciso manter o complemento solidário para idosos, dar atenção às leis laborais e ao mercado de trabalho. É preocupante que muita da pobreza se verifique em famílias que têm trabalho, mas estão abaixo do limiar da pobreza, e estamos a falar de famílias com crianças.

Que medidas poderiam ainda ser incluídas no orçamento do Estado 2022 para ajudar a colmatar esta situação?

O reforço dos apoios às famílias com crianças, o aumento do salario mínimo e, claro, o apoio à habitação, três áreas essenciais para combater a pobreza.

Como está a Santa Casa a preparar a sua atuação para o pós-covid?

Vai ser preciso manter o apoio alimentar , apoio domiciliário, enfim todos os apoios e até reforçar, esperando que a situação não vá reverter. Na comunidade local não se espera que reverta. Entre os emigrantes poderão reparecer situações que precisem de apoio. Mas temos de estar preparados para a fase seguinte. E estamos preparados.

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