Ao renegociar unilateralmente o acordo nuclear com o Irão de 2015, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desmantelou mais uma vez o legado de liderança global do seu próprio país. Cabe agora à União Europeia intervir e preservar o acordo, para que o Médio Oriente não caia num caos em larga escala..Não há qualquer dúvida de que "América Primeiro" significa precisamente isso. Ao abandonar o acordo nuclear com o Irão de 2015, o presidente dos EUA, Donald Trump, rejeitou o conselho dos aliados e mostrou um total desrespeito pelos interesses da França, da Alemanha, do Reino Unido e da comunidade internacional em geral. O esforço de última hora do presidente francês Emmanuel Macron para construir uma abordagem diplomática mais ampla em relação ao Irão foi posto de lado no último minuto, com pouca ou nenhuma explicação do governo Trump..Tal como acontece com os outros atos de vandalismo de Trump contra a ordem internacional - nomeadamente a sua retirada do acordo climático de Paris - a sua sabotagem do acordo com o Irão, oficialmente chamado Plano de Ação Conjunto Global (PACG), deixa os cacos para os outros países apanharem. A decisão, sem dúvida, encanta a base política interna de Trump, que se delicia com o seu desmantelamento das principais conquistas do seu antecessor, Barack Obama. Mas o PACG também foi um grande sucesso para a União Europeia. Afinal, foram os europeus que abriram caminho para as negociações com o Irão. E o próprio acordo reduz significativamente as hipóteses de proliferação nuclear nas vizinhanças da Europa..Tentando justificar a sua decisão, Trump twittou recentemente: "Lembrem-se de como o Irão se estava a comportar mal com o acordo em vigor. Eles estavam a tentar dominar o Médio Oriente por todos os meios possíveis. Agora, isso não vai acontecer!" Mas, embora seja verdade que a influência iraniana se tem estado a espalhar no Médio Oriente, não há nenhuma boa razão para pensar que a rescisão unilateral do PACG alterará de repente esse facto. Quanto muito, a decisão poderá encorajar os radicais iranianos e levar a mais interferência do Irão no Iraque, Síria, Líbano e noutros lugares. Na verdade, quase imediatamente após o anúncio de Trump sobre o PACG, as tropas iranianas estacionadas na Síria terão disparado mísseis contra Israel..Pior ainda, Trump nem se deu ao trabalho de apresentar uma abordagem alternativa para conter o programa nuclear do Irão. Como resultado, cabe agora aos líderes europeus intervir. É certo que a ameaça de sanções dos EUA contra empresas europeias a operar no Irão deixa a UE numa posição nada invejável. Mas desistir simplesmente dos esforços para a não-proliferação nuclear no Médio Oriente não é uma opção..Olhando para o futuro, a UE não deve limitar-se a reafirmar o seu compromisso com o PACG. É preciso aproveitar este momento para introduzir uma estratégia mais ampla em relação ao Irão, que convença os líderes iranianos a atender às preocupações legítimas sobre o seu programa de mísseis balísticos em andamento e o seu comportamento disruptivo na região. Se for bem-sucedida, uma abordagem mais ampla também deixaria aberta a porta para que os Estados Unidos voltassem a envolver-se nos esforços diplomáticos multilaterais no futuro..Para salvar o acordo nuclear e avançar para outras metas diplomáticas, a UE pode alavancar o seu relacionamento económico com o Irão. Os iranianos devem ser levados a compreender que só restringindo o seu programa de mísseis e cooperando com os esforços para restaurar a estabilidade na região podem preservar as suas relações económicas com a Europa. Os líderes da UE também devem deixar claro que se o Irão retomar o enriquecimento nuclear ou bloquear o acesso a inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica, o regime de sanções vigente antes de 2015 será restabelecido..Ao mesmo tempo, a UE deve assegurar ao Irão que, enquanto mantiver os seus compromissos ao abrigo do PACG, a UE protegerá as suas empresas das sanções dos EUA e dos efeitos extraterritoriais da legislação dos EUA, como fez em resposta às sanções norte-americanas contra Cuba nos anos 90. Proporcionar tal proteção será política e economicamente caro, com certeza; mas a alternativa poderia levar a uma corrida ao armamento nuclear no Médio Oriente. E os cidadãos europeus provavelmente opor-se-iam se a UE de repente abandonasse os seus princípios simplesmente para apaziguar um presidente imprevisível dos Estados Unidos..Ao adotar a abordagem mais ampla descrita acima, o objetivo, tal como Macron propôs, deveria ser o de concluir um acordo paralelo ao PACG. Mas qualquer novo acordo deve andar de mãos dadas com uma estratégia mais alargada para estabilizar o Médio Oriente. O Irão, as potências sunitas (lideradas pela Arábia Saudita), Israel, Rússia, China e os EUA devem ser convencidos a parar de alimentar as guerras por procuração da região. Para esse fim, cabe agora à UE liderar a diplomacia e demonstrar a Trump que o multilateralismo é muito mais eficaz do que o vandalismo diplomático..De um ponto de vista mais alargado, tal estratégia também poderia começar a fechar o aprofundamento da divisão transatlântica que a presidência de Trump abriu. A fragmentação do Ocidente é um desenvolvimento bem-vindo aos olhos do presidente russo Vladimir Putin e de regimes iliberais em todo o mundo. Nada agradaria mais a autoritários e populistas do que semear o caos e a perda de confiança na ordem internacional baseada nas regras do pós-guerra. As democracias que construíram essa ordem incorporam valores que são contrários aos interesses dos autoritários..Finalmente, a decisão do Trump em relação ao PACG demonstra, mais uma vez, que a Europa confia demais nos EUA para a sua segurança e prosperidade. Mesmo pelos padrões de Trump, a destruição do acordo com o Irão foi um surpreendente ato incendiário diplomático. Isto sugere que a operacionalização completa da sua abordagem "América Primeiro" está apenas a começar. Agora é a hora de os europeus recuperarem o controlo do seu próprio destino. Ao reforçar a sua capacidade de defesa e liderança global, a UE pode promover os seus próprios interesses e os da ordem internacional mais alargada..Líder do grupo Aliança dos Liberais e Democratas no Parlamento Europeu