Despesa do Estado por cada doente em diálise diminui mais de 20% desde 2010
A despesa do Estado português por cada doente em diálise diminuiu, em termos reais, 21% entre 2010 e 2021 - de 27.218 euros anuais contra os atuais 21.420 euros - apesar de um aumento de 40% do número de pessoas em diálise nesse mesmo período. Esta é um das conclusões de um estudo desenvolvido por investigadores da Nova Information Management School (IMS) sobre o atual modelo de financiamento da diálise em Portugal, que será divulgado esta terça-feira.
O estudo Hemodyalisis financing models: is there a sustainable financing model in Portugal? propõe um futuro modelo que seja sustentável e que privilegie a inovação terapêutica para pessoas com doença renal crónica. Esta doença é uma insuficiência dos rins associada ao processo de envelhecimento e a doenças como a diabetes e a hipertensão. Quando a doença progride para o estádio final pode ser necessário recorrer à diálise ou a um transplante de rim.
Ana Farinha, médica nefrologista e uma das co-autoras do estudo, afirma que o aumento do número de pessoas com doença renal pode estar relacionado com a falta de intervenção a nível da prevenção.
Em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) cobre integralmente o valor da diálise ou de um transplante. Mas a hemodiálise, no entanto, tem sido principalmente disponibilizada por entidades privadas através de um acordo contratual com o SNS, como consequência da falta da capacidade de resposta às necessidades do número crescente de doentes. O modelo inicialmente apresentado em 2008 pelo Serviço Nacional de Saúde pressupunha um modelo de pagamento dos doentes em diálise, mas também um acompanhamento do doente renal em todas as fases, até mesmo antes da diálise.
O modelo de financiamento vigente atualmente em Portugal é o preço compreensivo, em que há um pagamento prospetivo ao prestador de cuidados de saúde de um montante previamente negociado para tratar um grupo de doentes. "Este é um sistema inovador criado pelo Serviço Nacional de Saúde em 2008, há 15 anos. A medicina evoluiu muito neste tempo e muita coisa mudou no que é a abordagem ao doente renal crónico em estadio terminal. Neste momento há necessidade de individualizar as terapêuticas, algo que não está contratualizado nesta forma de pagamento", explica Ana Farinha.
A médica esclarece que o modelo do preço compreensivo impõe um um padrão de diálise igual para todos os doentes. "O doente só é pago ao prestador se este fizer diálise três vezes por semana, quatro horas por dia, tiver um determinado valor de hemoglobina, entre outras condições. Isso não é verdade para todos os doentes". Ana Farinha explica que os pacientes têm necessidades de diálise diferentes, algo que deveria ser incluído no preço compreensivo, além de outros tratamentos, como medicação. Tratamentos que não sejam diálise não estão incluídos no pacote atualmente em vigor. E caso o doente não cumpra os parâmetros indicados, o prestador de serviço não é ressarcido.
Este estudo demonstra, que em termos reais, houve uma redução de 27% no preço semanal gasto pelo Estado em hemodiálise através desse mecanismo. Uma quebra de financiamento que não acompanha nem o crescimento do número de doentes nem o aumento de custos devido à inflação, realçam os investigadores.
Estes custos, apontam, têm aumentado "devido ao crescimento dos custos associados a salários, à introdução de inovação terapêutica, instalações e outros fatores". No entanto, "o orçamento do SNS para o preço compreensivo é cada vez menor e, consequentemente, dificulta a acomodação destes custos".
"Com os critérios rígidos deste sistema corremos o risco de os prestadores perderem o interesse de continuar a prestar os serviços porque efetivamente a margem de lucro deixou de existir. Mesmo os melhores cuidados são colocados em causa pela rigidez desta política", diz Ana Farinha.
Os investigadores apresentam recomendações que se focam em três dimensões: composição do preço compreensivo, abrangência do preço compreensivo e tecnologia e inovação.
Em primeiro lugar, consideram que "deve ser adotado um mecanismo de ajuste que reflita as mudanças nos principais componentes de custo como recursos humanos, medicamentos, consumíveis, bem como nas mudanças macroeconómicas como a inflação". Depois, recomendam a "revisão do modelo atual de financiamento" para incluir serviços adicionais e um foco na prevenção. Isto implica "uma flexibilização do modelo para lidar com terapêuticas individualizadas". Finalmente, referem a necessidade de melhorar a gestão de dados, não só nos registos da doença renal terminal, mas também nos estádios mais precoces da doença.
Para Ana Farinha, médica nefrologista e co-autora deste estudo, "não ter a ambição de alterar os atuais moldes de financiamento de diálise em Portugal, mais do que uma sentença à sustentabilidade do sistema de saúde, será um derradeiro obstáculo ao acesso dos doentes às melhores opções e condições de tratamento".
Com este estudo, os investigadores sugerem uma revisão dos critérios de comparticipação e apelam a uma maior flexibilidade nos critérios para o pagamento dos doentes renais. "Não estamos a defender valores diferentes, estamos apenas a defender uma rentabilização dos recursos que temos numa possibilidade de individualizar as terapêuticas".
sara.a.santos@dn.pt