Desilusão em noite de celebração dos 35 anos dos Bauhaus
Um vocalista não substitui uma banda. Por muito carismática que seja a sua presença e única a sua voz, as ausências dos "outros" fazem sentir-se sobretudo se quem acompanha quem canta fica aquém do que a banda registou historicamente em disco ou na memória de outras atuações ao vivo. E num concerto de Peter Murphy em grande parte dedicado à celebração dos 35 anos dos Bauhaus, o que faltou não foram as canções, tão notável que era o rol de títulos convocado ao alinhamento. O que faltou mesmo foram as presenças de Daniel Ash, David J e Kevin Haskins (os outros elementos do grupo). Terminando a noite com sabor a desilusão (houve mesmo um inesperado quase silêncio entre o fim do set principal e o primeiro encore), a comparação com a memorável "ressurreição" do mítico grupo nascido em finais dos setentas que passou por Lisboa e Porto em 1998 dando conta que o que correra mal neste reencontro num Coliseu dos Recreios bem composto (essencialmente por uma plateia com mais de 35 anos) não fora o poder de longevidade da obra dos Bauhaus. Mas antes a forma como as canções ali foram apresentadas. Isto para não falar no som, algo "perdido" durante as primeiras canções, afogando mesmo inexplicavelmente a voz de Murphy até no quase acústico King Voclano.
A "alma" das canções dos Bauhaus não estava ali, mostrando bem o concerto como a (bela) voz de Peter Murphy era apenas parte de um todo maior. As elegantes nuances elétricas de In The Flat Field davam lugar a um inconsequente nivelamento estridente de som. A angulosidade minimalista do belíssimo Boys não morava ali, em seu lugar a guitarra invadindo demasiado os espaços onde faltavam as frestas de abruptos silêncios. O balanço disco deKick In The Eye diluiu-se num caudal indistinto. A beleza assombrada de She"s In Parties (e aquela melodica que o cantor ia tocando não ajudou nada) dava conta de que estávamos a ter apenas uma magra representação de um clássico maior... E foi assim, noite adiante.
Banda de referencia de um tempo, distinguindo-se dos demais contemporâneos sobretudo pela abordagem minimalista ao som do clássico trio elétrico, os Bauhaus somavam a voz profunda e teatral de Murphy às guitarras imponentes, mas sempre seguras e elegantes de Daniel Ash (tanto no registo elétrico como acústico), ao baixo pungente e cavo de David J e a bateria precisa de Kevin Haskins. Com os músicos que tinha em palco em nada a noite recriou o encontro a quatro que os transformou numa referência. Havia as canções. Não faltaram Double Dare, Spirit ou Bela Lugosi"s Dead, entre tantos outros. Houve até um A Strange Kind of Love (um entre alguns escassos episódios de presença da obra a solo de Murphy), em versão com som a mais que o que o diálogo para voz e guitarra pedia. Severance, a versão de um original dos Dead Can Dance (que ali tinham passado pela mesma sala na terça-feira, numa noite em tudo diferente) que os Bauhaus criaram para a Resurrection Tour de 1998, fechou o set em anti-clímax. Salvando-se para muitos a noite com bem conseguidas versões, efusivamente aplaudidas, de Ziggy Stardust (de David Bowie) ou Transmission (dos Joy Division). Magra compensação para uma noite que prometia, mas pouco recriou, um reencontro com a memória dos Bauhaus...