Design para a vida

Vivemos na paisagem audiovisual imaterial por onde erram os nossos desejos, sonhos e projeções.
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Design for Living (Uma Mulher para Dois) é o título de um filme de 1933 de Ernst Lubitsch, berlinense emigrado para os EUA. O filme é uma adaptação livre, com argumento de Ben Hetch, da peça de Noël Coward com o mesmo nome.

É uma comédia romântica típica da Hollywood dos anos 1930 que conta a história de uma desenhadora publicitária (representada por Miriam Hopkins) que mantém uma relação a três com um dramaturgo (Frederic March) e um artista plástico (Gary Cooper).

O filme é uma obra-prima de humor, com situações inesperadas e diálogos deliciosos, sofisticados e provocatórios.

A sua premissa continua hoje a ser libertadora: uma mulher que decide não se decidir por um de dois homens e cria com eles uma relação aberta de design triangular sui generis.

A expressão design for life vem da profissão da personagem, mas não deixa de ser uma provocação que ainda hoje nos pode questionar.

O modelo de relação que escolhemos pode ser descrito como um projeto de design relacional? É só ver o leque de opções sociais à escolha: casamento, união de facto, parceria sexual, amizade colorida, etc. E escolher o modelo com o design adequado.

O conceito de design tem uma definição ampla, com inúmeras declinações. Mas o termo é usado sobretudo no sentido de projeto ou desenho de projeto e é aplicado principalmente a produtos industriais, de produção em série, com uma função, uma utilidade social.

Uma das declinações do termo é a de designthinking, utilizado na descrição de métodos de resolução de problemas complexos.

Outra das possíveis declinações é a utilização do conceito de design na área da comunicação social e da indústria criativa dos media.

A nossa vida em sociedade é cada vez mais mediatizada por um sistema complexo de redes de informação, entretenimento e ficção. Em tempos eram os jornais, os cartazes, as rádios, os cinemas, a televisão. Hoje, com a digitalização e a universalidade da internet, o sistema de redes ganhou uma tremenda complexidade.

Desenvolver projetos de media que ambicionem duração e presença diária - jornais, rádios, estações de televisão, marcas de comunicação, agregadores de conteúdos e comunidades - exige novas abordagens.

Já não chegam declarações de princípios, objetivos e estratégias. É necessário e fundamental um design estratégico
de conteúdos que tenha em conta todas as variáveis de tempo, lugar e função do projeto.

Não falo das obras de arte e da sua programação em salas ou contextos artísticos - essas, por definição, são feitas contra a padronização e a sua essência é a singularidade não prevista da sua existência.

Falo da criação de estruturas perenes, produtoras de sentido em permanência, todos os dias. Indústria de criação de conteúdos (onde, todavia, aqui e ali, nos melhores momentos, podemos deparar com obras de arte).

Vivemos de acordo com as mitologias em que acreditamos. Uma sociedade será tanto mais rica quanto mais rica for a mitologia que a alimenta. Foi essa a força dos gregos na Antiguidade, ou a força dos EUA no século XX.

As mitologias são divulgadas nos meios de comunicação dominantes.

Tudo o que acreditamos, do que nos informa ao que nos inspira, vem da mitologia em que nos inscrevemos.

Tanto quanto na paisagem, arquitetónica, urbana, suburbana ou agrária onde vivemos, vivemos na paisagem audiovisual imaterial por onde erram os nossos desejos, sonhos e projeções.

As escolhas que fazemos, as causas que abraçamos, as relações que estabelecemos acontecem informadas por essas paisagens conceptuais.

Apaixonamo-nos de acordo com a literatura dominante, seja a dos romances russos do século XIX ou a dos reality shows das televisões do século xxi.

As formas contemporâneas de produção industrial de conteúdos precisam de ter uma conceção de projeto geral que se pode inspirar na área do design, naquilo que poderíamos classificar como design de conteúdos. Com inúmeras declinações, por exemplo: design de programação, design de menus de informação, design de interatividade dos conteúdos, etc., etc., etc.

Em última análise, aquilo de que falamos é de design
for living, do desenho para a vida das mitologias comunitárias. Comunidades tanto mais ricas quanto melhor e mais diversificado seja o design das suas redes de conteúdos. Quanto mais artesanato e menos industrialização originarem.

Quanto menos massificação e mais singularidade provocarem.

Paradoxalmente, quando menos industriais e mais artísticos forem os conteúdos que o seu design geral potenciar.

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