Descontrolo partilhado

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Independentemente da natureza da bomba testada pela Coreia do Norte, há dois aspetos cada vez mais evidentes por cada vez que viramos o olhar para Pyongyang. Um é a sua evolução tecnológica no domínio nuclear, seja ela comprada no mercado negro ou desenvolvida endogenamente. A outra é a progressiva autonomia decisional em relação à China, que não só tem subscrito resoluções da ONU como condenado publicamente cada ensaio. A verdade é que desde que tomou posse, em 2011, Kim Jong-un já recorreu duas vezes a este expediente e tem visto a sua governação alvo de algum distanciamento político por parte do presidente chinês. Não quer dizer que Pequim esteja na disposição de alienar este aliado no quadro regional de contenção à presença americana - Coreia do Norte, Camboja e Paquistão cumprem essa função -, mas perderam alguma vantagem sobre a paranoia de Pyongyang. E é pior ter a Coreia do Norte à solta do que sob chapéu da China. Ou seja, se quisermos ser justos, temos de reconhecer que também Pequim falhou na sua estratégia de apadrinhamento. Mas para completar a justiça analítica, temos de aceitar o falhanço dos EUA. Obama está a terminar o mandato com importantes desanuviamentos bilaterais com a Birmânia, Irão e Cuba, mas sem ponta de sucesso com a Coreia do Norte. Aliás, a desvalorização da nuclearização de Pyongyang trouxe também mais autonomia ao regime, o qual, mesmo falido e faminto, prossegue. O descontrolo partilhado entre Pequim e Washington pode ter o paradoxal efeito de juntá-los numa frente imprescindível e de interesse mais partilhado do que até aqui, capaz de fazer regressar a Coreia do Norte às negociações, abrir o regime à inspeção da ONU e aliviar sanções para o salvar. É bom lembrar que cada teste norte--coreano descontrolado debilita e ameaça mais a China do que os EUA.

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