Descomplexifique, senhor ministro!
O Ministro da Agricultura, Capoulas Santos respondeu, em nota oficial dirigida à Lusa, a uma declaração do Secretário-Geral do PCP, proferida no final de uma visita a uma vítima dos incêndios de 15 e 16 de Outubro de 2017, em Vila Cova de Alva, no concelho de Arganil.
"O ministro da Agricultura convida o senhor secretário-geral do PCP a visitar o site do IFAP [Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas], onde está publicada a lista nominal dos mais de 25 mil agricultores já apoiados pelo Governo na sequência dos incêndios que afectaram o país há um ano", refere a citada nota que vem plasmada em vários órgãos de comunicação social.
Ainda que baste uma volta pelas zonas atingidas para perceber que esta chuva de milhões com que Capoulas Santos, invariavelmente, enche a boca, não repôs, nem de perto nem de longe, o potencial produtivo perdido na agricultura, para que não restem dúvidas, decidimos aqui lembrar que as declarações do Secretário-Geral, denunciando que se verificam atrasos nos apoios aos produtores afectados, "por dificuldades objectivas no plano da burocracia que deviam ser claramente arredadas", em contraste com "a coragem de quem perdeu tudo", foram feitas na sequência de uma conversa com uma produtora de ovinos que é o espelho do que está por fazer nesta matéria.
No caso concreto, esta produtora de ovinos, que, com quase 70 anos, perdeu cerca de uma centena de animais, viu destruído o ovil e parte do palheiro, tendo ficado sem qualquer fardo de palha, arderam-lhe oliveiras, árvores de fruto e culturas, num prejuízo calculado em cerca de 200 mil euros.
Em virtude das exigências burocráticas e da necessidade de suportar uma parte da despesa, esta produtora decidiu candidatar-se apenas a 50 mil euros de ajudas. Muitos outros, com prejuízos de 10 a 15 mil euros, optaram pelas candidaturas simplificadas até aos 5 mil euros, para fugir a processos altamente complexos e morosos.
A produtora viu aprovado o projecto e fez as primeiras obras. Começou por repor o palheiro para garantir condições para guardar o alimento dos animais para o inverno.
Comprou ovelhas procedeu à recria e tem hoje cerca de 40 animais.
Esteve quase 4 meses à espera de ser reembolsada dessas primeiras despesas. Porque o IFAP estava a analisar. Porque uma das facturas não entrava no sistema. E a promotora esperou. Recebeu o primeiro apoio do Estado a 24 de Setembro, 342 dias após o incêndio.
Note-se que este projecto apenas prevê a concretização de 5 pedidos de reembolso, tendo de estar concluído até 2020. Se cada pedido de reembolso demorar 4 meses a ser pago pelo IFAP, então isso significaria que, ou a promotora do projecto tinha os meios para suportar tais despesas, ou não poderia concluir o projecto nos prazos definidos.
Este é, e o Senhor Ministro sabe disso, infelizmente, o retrato fiel de tantas e tantas outras situações. Neste caso, felizmente, a burocracia, os processos complexos, os corredores da papelada, por onde é preciso circular para se concretizar qualquer projecto - que parecem construídos à medida para afastar os pequenos agricultores -, depararam-se com a força e a determinação de quem, há décadas, olha de frente e não se deixa amedrontar pelas dificuldades.
Mas o Ministro da Agricultura também sabe que nós sabemos que há muitos outros casos em que os produtores estão a desistir de concretizar os projectos, por falta de meios e de apoios directos.
Até porque, pela obstinação do Governo, com o apoio do PSD e do CDS, estes agricultores não receberam qualquer ajuda pelo rendimento perdido e, durante este ano, muitos deles, como foi o caso concreto desta produtora, não fizeram qualquer receita, sobrevivendo da sua parca reforma.
Por mais milhões que anuncie, por mais regras e regulamentos comunitários que invoque, o Ministro da Agricultura sabe que nós sabemos do que falamos e sabe que as decisões assumidas a régua e esquadro, que não tenham em conta a realidade concreta do tecido da pequena e média agricultura do centro e do norte do país, não evitarão a morte do nosso mundo rural.
Só não sabemos se a adiarão por muito mais tempo.
João Frazão é membro da Comissão Política do Comité Central do PCP