Desajeitado, cabeludo mas sobredotado para tocar piano
Ele continua a ser um dos wonder- kids do mundo da música clássica, apesar de já contar 34 anos - o seu ar de eterno rapaz ajuda a preservar esse epíteto...
Falamos de Evgeny Kissin, o 'miúdo' russo que Herbert von Karajan "descobriu" nos finais de 80 e lançou na alta roda dos pianistas mundiais. Onde se tem mantido até hoje.
Logo, às 19.00, Kissin volta a sentar-se frente ao público do Grande Auditório da Fundação Gulben- kian para um recital preenchido com obras de Beethoven e Chopin. Do primeiro ouviremos a Sonata n.º 3, em dó M, op. 2 n.º 3 e a Sonata n.º 26, em Mib M, op. 81a, dita 'Les Adieux'. Na segunda parte, tocará os quatro Scherzi de Chopin.
Beethoven e Chopin são dois compositores cuja presença no percurso artística de Kissin tem sido muito desigual Chopin acompanha-o desde sempre e o pianista tem vários discos a ele integralmente ou em grande parte dedicados - Kissin chega a dizer que essa presença constante lhe facilitou a percepção da essência da música do polaco; já Beethoven tem sido visitado muito mais espaçadamente e as sonatas, em particular, só surgem na sua discografia a partir de 1998. Os concertos, tem-nos tocado com alguma regularidade e ainda na pretérita temporada tocou os cinco com a Orquestra Gulbenkian em Lisboa, Madrid e na Alemanha.
Nascido em Moscovo a 10 de Outubro de 1971 no seio de uma família judia russa, Evgeny Kissin é um caso raro, mesmo num sobredotado o tema de uma fuga de Bach que conseguiu imitar com a voz ainda nem com um ano de idade foi o tiro de partida para uma vida feita de precocidade e genialidade. Que nem sequer necessitou alguma vez de entrar num concurso de piano...
Curiosamente, Kissin mantém ainda hoje a mesma professora com que se iniciou, aos seis anos, na Escola de Música Gnessin para crianças sobredotadas. Onde quer que Kissin toque, lá está Anna Pavlov- na Kantor - mas não é só ela a mãe e outros familiares são também presenças constantes junto de Evgeny, possibilitando-lhe concentrar-se apenas e totalmente em tocar piano.
Há quem lhe chame "o último grande pianista romântico" pela abordagem alegadamente tradicional-"romântica" do grande repertório pianístico. Repertório de que constam todos os grandes compositores-pianistas do Romantismo e todos os cavalos de batalha russos, mas também Mozart e Haydn. Seja como for, a sua forma de tocar valeu-lhe a atribuição do Prémio Karajan deste ano, que recebeu no passado sábado, em Baden-Baden. Simbolicamente, um prémio instituído em memória do maestro que verdadeiramente o revelou e lançou foi a 9 de Agosto de 1988, em Munique, que Karajan ouviu Kissin pela primeira vez e o rapaz de 16 anos emocionou o velho maestro de 80 anos até às lágrimas. Talvez o júri do Karajan-Preis se tenha lembrado disso quando fala da "rara profundidade e elevada complexidade das suas interpretações" como razões para a sua escolha...