"Desagrada-me o espírito vingativo de Rui Rio"

Não apoiou Sá Carneiro nem Cavaco por serem "impositivos", por imporem a sua vontade. Elogia Passos e Barroso e admite regressar um dia, mas só para um governo. O ainda deputado, que encerra uma vida política de quase 39 anos, confessa que se vivesse no Brasil votaria em Bolsonaro.
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Por que razão se envolveu na política e no PSD?
Meti-me na JSD logo a seguir ao 25 de Abril, quando tinha 15 anos. Comecei a trabalhar em projetos associativos quando ainda estava no liceu. Depois acabei por ir estudar para o Magistério. O meu pai veio de Angola em 1975, na altura não havia dinheiro para sair daqui, e então optei, a conselho dele, por tirar o curso de professor no Magistério de Viseu. Fui, e logo a seguir fui eleito presidente da associação de estudantes. Foi nessa altura que o envolvimento foi mais sério e mais forte, isto em outubro de 1975. Em julho de 1976, quando fiz 18 anos, já me filiei no PSD.

E depois?
Tive uma grande atividade a nível do movimento associativo estudantil, estive muito envolvido com o Carlos Pimenta, por exemplo, com o António Fontes, com o José Alberto Ferreira, na fundação da Tendência Estudantil Reformista, formada no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Estamos a falar dos anos entre 1976 e 1978, em que tive uma grande participação no movimento associativo a nível nacional - era presidente da associação de estudantes. Já em 1978 comecei a desenvolver atividade no Sindicato dos Professores, quando terminei o curso, e, inclusivamente, em 1982 entrei para a direção do sindicato da zona centro. Entretanto, tive ali um hiato, porque em setembro de 1979 fui chamado para a tropa. Na altura ainda não havia objeções de consciência e tive de ir.

E para onde foi?
Fui para Mafra e tirei o curso de oficial.

Ficou quanto tempo?
De 3 de setembro de 1979 até 3 de dezembro de 1979. Tirei o curso geral de miliciano e o curso de oficial miliciano, que foram seis semanas do primeiro curso e 10 semanas do segundo. Fui graduado em aspirante e depois vim para aqui, durante mais um ano, todo o ano de 1980. Quando vim para aqui como aspirante, acompanhei a campanha do Sá Carneiro. Quando ele morreu já eu era militar aqui . Quando voltei, em 1981, recomecei a atividade docente e voltei à política. Passado meio ano, fui para a distrital outra vez, fui eleito presidente da distrital - aí já havia presidente da distrital - e fui para a Comissão Política Nacional em 1982, se bem me lembro, com o presidente Pedro Pinto e vice-presidente e vogais - embora já não me recorde exatamente das posições de cada um -, Rui Rio e Maló de Abreu. Em 1983 houve eleições, era presidente da distrital e já tinha uma razoável penetração no partido e fui eleito deputado, em quarto lugar na lista, na legislatura do bloco central.

Como é que isso aconteceu?

Na altura, tínhamos eleições internas aqui. A comissão política distrital reunia, constituída pelo núcleo permanente mais os representantes dos concelhos, e todos apresentavam os seus candidatos, e era eleito lugar a lugar, a lista ia já elaborada. Depois tive umas vivências internas curiosas, dissabores.

Então?
Não apoiei o Cavaco na Figueira da Foz, apoiei o João Salgueiro, que era meu colega na Assembleia, era deputado comigo. Tal como, em 1978, não apoiei Sá Carneiro, estive com os inadiáveis [grupo das opções inadiáveis, um manifesto assinado por 42 dos 73 deputados do PSD que desafiaram a estratégia de Sá Carneiro].

Porque é que não apoiou Sá Carneiro nem Cavaco?
Eram homens muito impositivos, a sua verdade era a que contava, impunham muito a sua vontade. Aliás, o histórico de Sá Carneiro no partido é muito claro, rompeu com uma boa parte do partido em Aveiro, como o José Manuel Fernandes e o Emídio Guerreiro. Isso desagradava-me em Sá Carneiro, mas reconheço que era um homem com grande carisma, disso não há dúvida nenhuma.

A mesma razão para Cavaco?
​​​​​​​Cavaco era o ministro das Finanças de Sá Carneiro e trazia muito a imagem de Sá Carneiro. Na altura, estávamos muito ligados ao João Salgueiro, era alguém com quem trabalhávamos muito e, portanto, apoiámos o Salgueiro, a maioria do distrito aqui também o apoiou.

E qual foi o dissabor?
Acabou por não ser nenhum, porque, na verdade, e apesar de Cavaco ser muito duro - ao contrário do que foi dito agora por Rui Rio -, o único tipo que Cavaco não pôs nas listas foi o José Vitorino. E, mesmo assim, José Vitorino só não entra nas listas por decisão do Conselho Nacional.

E aí começa a sua vida parlamentar?
E daí para cá nunca mais parou. Tive aquelas passagens pelo governo, de 2002 a 2004, como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas no governo de Durão Barroso, de 2004 a 2005 fui secretário de Estado da Administração Local no governo de Santana Lopes. Em 2011 voltei com Passos Coelho - fui diretor de campanha dele em 2011 - e estive até 2015 com ele nas comunidades, e saí nessa altura.

O que é que retirou dessa experiência como governante?
O governante não pode dizer "vou ver", normalmente as coisas dependem dele e quando é essa a situação tem de dizer que sim ou que não, e essa é uma diferença enorme. O deputado pode ter uma iniciativa legislativa, o governante decide, é essa a diferença.

Confrontado com uma dúvida, não diz necessariamente que sim ou que não?
Posso dizer que vou ver, mas eventualmente terei de dizer que sim ou que não, essa é a questão. Agora o que me deu satisfação foi ter conseguido fazer com que os serviços emitissem os primeiros documentos de identificação fora de Portugal, em 2002.

Está a falar dos bilhetes de identidade?
Os primeiros que foram emitidos fora de Portugal foram em Paris e em São Paulo. Criámos centros de identificação nessas cidades, os documentos foram emitidos lá, mas até aí nunca tinha sido emitido nenhum documento de identificação fora de Portugal. Com o cartão de cidadão, os documentos passaram a ser emitidos aqui outra vez, foi alterado. Outra mudança que acho que foi grande e determinante para a rede consular foram as permanências consulares com equipamentos móveis, que permitiram que, a partir de 2011, conseguíssemos fora dos postos consulares recolher dados biométricos para o cartão de cidadão, para o passaporte e até para os vistos fomos o primeiro país a fazê-lo assim e com tecnologia nossa. Mas atenção que esta foi uma mudança contra a máquina administrativa, porque esta é geralmente conservadora. Normalmente, a máquina administrativa é contra as mudanças, as coisas têm de continuar a ser feitas da mesma maneira e qualquer mudança é uma coisa terrível. Foi feito contra a máquina, mas fez-se, e hoje em dia todos os postos do mundo têm esses equipamentos, são umas malinhas que pesam oito quilos.

Foi isso que o deixou desiludido?
A máquina, sempre a burocracia, que é algo de terrível. Muitas vezes fazia aos dirigentes o desafio de simplificarmos o procedimento de tal coisa, e não posso dizer que não tive contributos, mas normalmente os contributos não surgiam, tinham de ser "puxados". Há aqui uma questão fundamental: várias vezes me perguntaram porque é que, depois de ter dirigido a campanha do Passos em 2011 e de ter sido muito bem-sucedida, nunca tentei outra coisa qualquer, um outro lugar no governo. A resposta é simples: disto eu sei, desta área eu sei, posso dizer que dificilmente haverá alguém que saiba mais. Quando me sento na secretária e me aparece o diretor-geral, ou o diretor de serviços, ou o embaixador, ou o cônsul, dificilmente ele dialoga comigo com uma posição de supremacia. Portanto, sei como é possível, de um modo geral, fazer as mudanças que sejam positivas para as pessoas, porque às vezes fazem-se mudanças porque tem de ser, porque parece bem.

Também teve de fazer mudanças dessas?
​​​​​​​Há algumas coisas que reconheço que, às vezes, talvez tivessem sido um pouco propaganda, não digo que não. Aliás, até fui um bocadinho atacado por isso, contra a minha vontade, quando foram cortados alguns escritórios e vice-consulados na Europa, em 2011. Foi contra a minha vontade, mas acabei por ter de aceitar. E porquê? Por causa do contexto económico em que estávamos, estávamos em bancarrota, havia que cortar aqui e acolá, e era preciso cortar também nesta área. Já tinha aprendido na primeira passagem pelo governo que o Estado não poupava um cêntimo, parece que poupa mas não. Fiz as contas depois de termos encerrado e concluí que aquilo não deu nada, o pessoal não podia ser despedido, as pessoas tinham de passar para outro sítio e os salários continuavam a ser pagos, a única coisa em que poupámos foi nas rendas, mas depois perdemos receita, portanto uma coisa cobria a outra e provavelmente até acabámos por ter prejuízo.

E como deputado?
É completamente diferente. Começo por aqui , fui deputado por Viseu até 2005. A partir daí, é fora da Europa. Como deputado, se me pergunta o que é que me deu mais gosto fazer, foi, por exemplo, alterações à lei da nacionalidade. Houve uma outra coisa de que me orgulho muito. Em 2003 havia muitos brasileiros ilegais em Portugal. Estimava-se na altura que fossem 20 mil, e o Lula veio cá por causa disso, uma visita de Estado, e na altura chamaram-me e disseram-me que ia ficar a coordenar o grupo da legalização dos brasileiros. Evidentemente que o problema era a burocracia, a administração não queria e depois há aqueles sentimentos, como vocês sabem, há sempre umas pessoas por aí que acham que os estrangeiros vêm tirar-nos os empregos.

E isso sentia-se também dentro da máquina, como diz?
Não tanto. Na máquina do Estado é mais a inércia. Coordenei o grupo, legalizámos os indivíduos todos, mais ainda que os 20 mil, acho que foram mais de 30 mil, e pôs-se fim ao assunto, porque era um problema terrível que tínhamos. O Lula, em reconhecimento pelo trabalho feito, deu-me uma condecoração que guardo com muito gosto. Confesso que acho que o Lula tem os seus defeitos, mas também tem as suas qualidades e é um líder. O atual presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas, Flávio Martins, é filiado no PSD, é vice-presidente da Comissão Política do Rio de Janeiro e é apoiante do Lula.

Isso surpreende-o?
Só estranho face ao tom geral da comunidade. Porque se falar com membros da comunidade, incluindo pessoas de esquerda, todos votam Bolsonaro. Há uma razão determinante para isto: insegurança. A segunda razão é o protesto contra a roubalheira, porque a pequena corrupção está institucionalizada.

A maioria da comunidade portuguesa é bolsonarista? É isso que me está a dizer?
Não tem discussão e eu compreendo. Às vezes ponho-me a pensar se nas últimas eleições presidenciais do Brasil estivesse lá e fosse brasileiro e tivesse de votar, em quem é que eu teria votado? Admito que tenho uma pessoa que poderia ser candidata e de quem eu gosto particularmente, que é o Alckmin, e isso talvez me tivesse levado a votar nele, mas se não fosse isso votaria Bolsonaro. Porque no Brasil, já nem falando de uma pessoa rica, estou a falar de pessoas de classe média baixa, não se consegue ter uma vida normal. A insegurança é algo brutal, é insegurança física e toda a questão de insegurança económica e jurídica, não dá para aguentar aquilo.

Como é que foi parar a candidato fora da Europa?
Durão Barroso, em outubro de 1999, convidou-me para coordenar a área das comunidades do PSD, porque nesse ano tínhamos elegido apenas um deputado fora da Europa. E perante esse desastre, o Durão Barroso, que é meu amigo e com quem tenho uma relação muito boa, como sabia que eu tinha deixado de ser presidente da distrital porque tinha atingido o limite de mandatos, pediu-me o favor de coordenar aquela área. Nunca me tinha passado tal coisa pela cabeça, mas evidentemente que as questões das migrações e dos imigrantes para nós são muito prementes. O meu pai não é que fosse bem imigrante, mas esteve 50 anos em Angola, e tenho vários imigrantes na família. Perante o convite, pensei "porque não?" e aceitei.

A 31 de maio faria 39 anos de deputado. Foram muitos os líderes do PSD que não apoiou?
Não apoiei Sá Carneiro, não apoiei Cavaco, não apoiei o Menezes e não apoiei Passos Coelho da primeira vez.

Qual foi o líder que mais lhe agradou?
O Passos, pessoalmente. O mais bem preparado diria que foi Barroso.

Preparado quer dizer o quê?
Que domina melhor as matérias, domina melhor os dossiês, genericamente.

E o Passos, pessoalmente porquê?
O Passos tem uma particularidade: é um tipo de uma paciência enorme. Nunca vi ninguém que fosse para a rua falar com qualquer pessoa e explicar-lhe demoradamente aquele que é o seu ponto de vista. É teimoso, mas é extremamente explicativo. É muito determinado e teimoso, mas ouve. E, apesar de não ser fácil de convencer, já mudou algumas vezes de opinião.

E nos outros partidos há alguém com quem tenha criado uma maior proximidade?
Almeida Santos, de quem fui secretário na mesa da Assembleia. Trabalhei como secretário com dois presidentes da Assembleia: Barbosa de Melo e Almeida Santos, dois fantásticos amigos, bem preparados, juridicamente muito bons, dois companheirões. Era possível estar quatro horas à mesa a beber copos com Barbosa de Melo e com o Almeida Santos, que era um senhor, um homem com uma influência enorme, com uma perceção dos factos políticos impressionante, excelente jurista. Ele via as coisas quando ainda estavam na cabeça dos oradores.

E no PCP?
Claro que sim, gosto muito do Jerónimo e do meu conterrâneo Carvalhas.

O que é que gosta no Jerónimo?
É um homem simples, é um homem do povo, é genuíno e honesto, pelo menos tenho-o por tal.

E no Carvalhas?
O Carvalhas é diferente, não era tão popular como o Jerónimo, mas também o tenho como uma pessoa muito séria. A verdade é que também pegou no partido numa fase complicada e manteve o partido unido. Há aqui um pormenor: tenho uma relação com o PCP, não queria bem dizer de amor-ódio, mas o meu berço político foi o meu avô materno, com quem fui criado. Esse meu avô, que era pintor, um homem da cultura aqui de Viseu, era muito próximo do Partido Comunista antes do 25 de Abril. Lembro-me de o meu avô estar reunido com pessoas da então oposição a ouvirem a rádio Moscovo ou a rádio Argel. Quando o meu avô morreu, em 1969, fui ao sótão e estavam lá os Avante! que ele tinha.. Mas há algo que sei: o meu avô era, fundamentalmente, um combatente pela liberdade, e é por isso que, a seguir ao 25 de Abril, eu vou para o PPD. Porque, para nós, o PPD não era um partido de direita, nunca foi: o PPD é um partido social-democrata.

Porquê o PPD e não o PS?
Aqui em Viseu tem uma explicação. O PS, em Viseu, é um partido de senhores, de uma certa elite, a elite de Viseu que depois do 25 de Abril se distribuiu por CDS e PS. A elite que vai para o PS é uma elite mais liberal, mais social-democrata, que foi para o partido porque já tinha ligações anteriores. Quem fundou o PPD em Viseu foram homens que são profissionais respeitados: Dr. Joaquim Alfaia, médico, Dr. Esteves Correia, médico, Álvaro Figueiredo, um homem dos meios agrícolas, Fernando Amaral Lamego, advogado. Portanto, homens de classe média - o PPD é povo e o PS é elite.

E o PCP não porquê?
O PCP não se enquadrava.

Mas tinha a influência do seu avô...
O meu avô era fundamentalmente um combatente pela liberdade. E o PCP, seguindo a linha de Moscovo, efetivamente era um partido que defendia uma ditadura.

Era miúdo, como tinha essa noção?
​​​​​​​Tinha, perfeitamente. Estamos a falar de uma altura em que já tinha 15 ou 16 anos.

Falou do PPD, mas está desiludido com o PSD?
Há uma evolução histórica normal. A social-democracia atualmente é mais centro, antes era mais esquerda. O primeiro congresso da JSD tinha no palco a imagem do Engels e do Marx. Os primeiros líderes da JSD eram Guilherme d"Oliveira Martins e António Rebelo de Sousa, ambos socialistas. Há uma evolução. Hoje a realidade é muito diferente da da altura, pois nessa altura estávamos muito mais ligados ao papel do Estado. A questão aqui é "estávamos", o que nos diferencia hoje em relação ao PS é que o PS, atualmente, ainda está mais agarrado ao Estado do que nós. Portanto, o nosso centro social-democrata - e digo nós, mas é eu, porque há pessoas no PSD que não são sociais-democratas, são claramente liberais -, eu continuo a defender o papel fundamental do Estado, não apenas como regulador.

Não respondeu. O que é que o desilude no PSD?
Há uma coisa que me desilude, que é o estilo do líder. O estilo do atual líder, tendo sido um antigo companheiro meu da JSD, tem muito pouco a ver com aquilo que é o normal dos líderes do partido.

Como assim?
Desde logo, o modo como ele olha os adversários ou aqueles que não pensam do mesmo modo que ele.

Os internos?
Internos, sim. Desagrada-me algum espírito vingativo que existe. O Cavaco, em 1985, a única pessoa que afastou foi o José Vitorino, mas se olhar de 2019 para cá tem uma lista infindável de pessoas - e de algumas até se pode concordar, é discutível -, mas digo-lhe já, porque é que foi afastada Maria Luísa Albuquerque? Porque é que foi afastado Luís Marques Guedes? É o melhor deputado da Assembleia da República em termos jurídicos, em todas as bancadas não há ninguém igual a ele. Foi secretário de Estado e ministro desde o Cavaco, é o melhor em termos de produção legislativa, é o tipo que melhor analisa, então porque é que ele foi afastado? Porque não apoiou Rui Rio.

E você?
Eu? Se calhar é igual. Fui afastado porque não o apoiei.

O que é que isso lhe provoca?
Neste momento, uma sensação de pena pela situação que foi criada. Pode dizer-me que estou há muitos anos nisto, e é verdade, agora a questão que se coloca é esta: podia ter sido ainda útil nesta fase ou não? Não sou eu que tenho de o dizer, serão as pessoas.

Quais pessoas?
As pessoas das comunidades, os líderes.

E o que é que diziam?
Que eu devia ter continuado.

Se tivesse continuado, os resultados seriam diferentes?
Se fosse eu, se os resultados teriam sido muito melhores? Estou convencido de que sim, mas é uma perceção pessoal e aquilo que dizem muitos líderes comunitários por aí fora.

Quem é que deve assumir a liderança do partido?
Dos que parecem estar disponíveis, Luís Montenegro, porque é o mais preparado a vários níveis. É aquele que, pela experiência parlamentar que tem, me parece que melhor conseguirá ser a locomotiva deste comboio. Mas tenho a certeza de uma coisa: sozinho não vai a lado nenhum. O próximo líder do partido vai ter dois problemas: um é ter de reerguer a máquina do partido, que está parcialmente aniquilada, há muitos concelhos do partido que praticamente desapareceram. E a outra é recuperar as bandeiras perdidas.

Um líder a prazo?
Não.

Até 2026?
Pode ser, depende dele.

Que bandeiras foram perdidas?
Rio foi eleito, e de 2017 a 2022 que propostas fortes é que foram agarradas pelo partido e colocadas perante as pessoas? Falou-se agora, nos últimos meses, de uma hipotética alteração do sistema político, sobretudo na vertente da representação na Assembleia da República, os círculos e tal, e não há praticamente mais nada. Falou-se também numa reforma da justiça, mas em concreto pouco houve.

Então a única coisa que Rio trouxe foi o vazio?
Mas ideias não faltaram. No cerne do Conselho Estratégico Nacional, justiça seja feita, produziu centenas de ideias, mas é preciso decidir sobre elas. Ninguém lidera nada com 20 ou 30 ideias, são duas ou três, e é preciso fazer estas escolhas.

Quais são essas duas ou três ideias?
Eu não sou candidato a líder. Mas é preciso mexer no sistema político, é preciso diminuir o peso da máquina política. Por exemplo, estas coisas com que somos confrontados de na Câmara de Lisboa ser possível haver dezenas de assessores num país como Portugal, isto não é aceitável. Se calhar é preciso diminuir o número de eleitos, desde as assembleias de freguesia, porque não é só na Assembleia da República. O modo da constituição dos executivos municipais, dos executivos das freguesias, o próprio estatuto dos eleitos. Por exemplo, sou claramente contra a limitação de mandatos, quaisquer que sejam. A limitação de um mandato é uma prorrogativa do eleitor, o eleitor é que escolhe. Mas administrativamente impedir um indivíduo de se candidatar não acho aceitável. Porque, efetivamente, nada compensa o esforço que aquelas pessoas vão fazer, sabendo que só vão poder lá estar 12 anos. Portanto, mudanças do sistema político são indiscutíveis. E também o sistema educativo acho que tem de continuar a ser mudado, independentemente das mudanças de pormenor - nomeadamente a transição do ensino secundário para o ensino superior -, a grande mudança de fundo tem a ver com um reforço do papel do ensino particular e do acesso ao ensino particular.

O que é que isso significa?
Significa aquilo que defendemos quando estivemos no governo e que pusemos em prática: haver mais colégios e escolas particulares com contratos de associação com o Estado.

E outros líderes para além de Luís Montenegro?
Não lhe posso falar de pessoas que sei que não querem. Por exemplo, há pessoas que não podem ser, como Durão Barroso, e, como lhe disse, é dos melhores quadros que temos.

Porque é que não pode?
Porque já foi e não vai voltar, assim como Marques Mendes - é uma questão que não se coloca.

Tem de ser gente nova?
Tem de ser gente nova e gente que não foi. Exceto talvez um caso: Passos Coelho, talvez fosse o único. O Passos ainda é novo, está na casa dos 50 anos, saiu novo do governo e saiu em circunstâncias que não são normal: saiu ganhando eleições, portanto talvez fosse o único caso.

Era ele o homem certo?
Sim, o Passos tem a capacidade para liderar e motivar o partido e para motivar o centro-direita. Mudava muita coisa, sei que mudava. Agora não sei se chega para ganhar.

O que é que falta?
Falta a reconciliação com os funcionários públicos e com os reformados.

A troika ainda?

Sim, as medidas que fomos obrigados a tomar. Se ele tivesse sido um demagogo e tivesse gastado mais 500 milhões em 2015, tinha tido maioria absoluta. Costa não teria existido, porque teria desaparecido e a história teria sido outra. Mas ele não quis ser demagogo, mas esses 500 milhões tinham resolvido o problema.

E você, o que é que vai fazer agora?
O que sempre fiz, estar em Viseu, na minha terra, gosto da minha terra e da gente daqui. Conheço muita gente aqui e, portanto, vou ajudar os outros e tratar das minhas coisas e da minha vida.

Isso é o quê?
É relaxar um bocadinho. Não vou a Paris há seis anos, tenho um apartamento no Algarve, em Albufeira, que adoro e vou sempre lá a correr, quatro ou cinco dias, e agora posso estar muito mais tempo, tenho direito a isso. Se me perguntar se quero voltar a ser deputado pela imigração, não, não quero, mas farei tudo para que os futuros deputados da imigração sejam pessoas convenientes às comunidades. Cumpri um papel de transição e no futuro espero que sejam pessoas das comunidades os eleitos a representá-los diretamente, pessoas de lá, que estejam lá fora.

Nunca se diz nunca. Talvez em 2026 o possam convidar a integrar um governo.
Para governo é diferente, agora se tivesse de integrar um projeto em que fosse imprescindível ser deputado por aqui, ou por Lisboa, ou pelo Porto... não sou muito favorável a isso. E até lhe digo mais: Lisboa não existe, é uma ficção. Lisboa elege 50 e tal deputados, mas podiam ser 20, que era igual. Uma das reformas é essa, mas se alguém a conseguir fazer, que é reduzir o número de deputados onde eles não são precisos e aumentar onde fazem falta.

Lisboa e Porto?
Lisboa e Porto não fazem falta, mas nas zonas interiores fazem. Em Portalegre não pode haver dois deputados ou na Guarda três. Se calhar, justificava-se mais haver 20 deputados em Portalegre do que 50 em Lisboa.

Porquê?
Por razões de espaço.

Espaço?
Vamos ser francos: como é que um deputado faz o seu trabalho municipal? O trabalho é feito a ir a câmaras, a ir a escolas, a visitar centros de saúde e hospitais, a falar com associações. Nós aqui é tudo a multiplicar por 24 concelhos, Lisboa multiplica por 12 ou 13. Por isso é que acho que estas definições dos sítios não podem obedecer exclusivamente a critérios de natureza demográfica, mas também a critérios de natureza espacial, de área. Eu para ir a 24 concelhos tenho de ir a um no sábado, a outro segunda-feira, e assim por diante. Mas em Lisboa não, a lógica de Lisboa é válida para a margem sul mas não é válida para o resto do distrito de Setúbal. Até à cidade de Setúbal corresponde à área metropolitana, em boa verdade, ali até tinha mais lógica os deputados representarem a área metropolitana. Tal como no Porto, qual é a diferença entre Gaia e o Porto?

É o rio?
Que já nem divide, porque as pontes já são tantas... Os rios dividem, mas também podem unir.

Os rios de água?
​​​​​​​Os rios de água.

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