Desafios enfrentados pelas comunidades migrantes no acesso aos cuidados de saúde: o caso da infeção por VIH
O ano de 2022 fica marcado por um recorde histórico, com o número de refugiados a chegar a 100 milhões de pessoas a nível mundial. O atual cenário de guerra decorrente da invasão da Ucrânia é indiscutivelmente uma das principais razões apontadas para o crescimento deste número. A propósito do mês onde se assinala o Dia Mundial do Refugiado, a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) definiu como mote para este ano "seja quem for, seja quando for, seja onde for: todas as pessoas têm direito a procurar proteção". Este conceito de proteção deve ser extensível a várias dimensões, nomeadamente ao respeito pelos direitos humanos, direito à não violência e preservação da paz, direito à educação e claro o direito à saúde, ao acesso e integração em políticas de saúde, ao acesso a cuidados de saúde e prevenção.
A saúde das comunidades migrantes enquanto dimensão de Qualidade de Vida decursiva dos direitos humanos
O Direito à saúde é um Direito Humano. O princípio da universalidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos, idealiza a fruição dos mesmos direitos por todas as pessoas, independente da origem e estatuto legal.
A saúde e a Qualidade de Vida Relacionada com Saúde são componentes do progresso social, constituindo recursos para melhor educação, maior efetividade laboral, promoção da liberdade dos indivíduos. Em suma, contribuem para a prosperidade social.
As comunidades migrantes integram as forças motrizes do desenvolvimento económico dos países de acolhimento, contribuindo para a sua riqueza e para a sua prosperidade social. No entanto, estas comunidades sofrem disparidades no usufruto do direito à saúde, cuja génese é extrínseca ao sistema. Enfrentando dificuldades de diferentes etiologias, no acesso à saúde e aos cuidados de saúde mesmo em sistemas de saúde de cariz universal, como o existente em Portugal.
Se por um lado, as condições socioeconómicas deficitárias - baixos rendimentos, exclusão social, ausência/dificuldade de acesso de/a redes de apoio, distância - são causa de arduidade no acesso aos cuidados de saúde. Por outro lado, as idiossincrasias culturais e crenças de saúde a elas associadas, são também fatores influentes do discernimento da necessidade de recurso e utilização dos serviços de saúde, resultando na prestação efetiva de cuidados de saúde já em situações de urgência e/ou em estádios avançados de doença, em contraponto à condição ideal de utilização rotineira, num contexto de monitorização da condição de saúde.
Estas situações têm efeito penalizador nos resultados em saúde, tanto no âmbito da prevenção como no âmbito do tratamento.
A vulnerabilidade para a infeção por VIH e o risco para o insucesso do tratamento nas comunidades migrantes
Focando-nos nas doenças infecciosas, especificamente na infeção por vírus da imunodeficiência humana (VIH), sabe-se que o grau de vulnerabilidade para a infeção por VIH e o risco para o insucesso do tratamento desta infeção, estão dependentes de uma complexa interligação de fatores estruturais.
Apesar de o risco de exposição a VIH não diferir de modo substancial entre os vários estratos socioeconómicos, o impacto negativo da infeção é de maior dimensão nos estratos socioeconómicos mais desfavorecidos. Por outro lado, verifica-se que, de modo geral, os migrantes, seja por causa económica, sejam refugiados, seja por causa humanitária, formam comunidades socioeconomicamente carenciadas. A conjugação das duas situações anteriores forma a tempestade perfeita, expondo nos países de acolhimento, as comunidades migrantes a carências específicas e a inevitável desigualdade no acesso a cuidados de saúde e tratamentos e à educação para a saúde, que na conjuntura da infeção por VIH resulta em elevada vulnerabilidade para a infeção e para o insucesso do seu tratamento.
Esta condição vulnerável ocorre como consequência de vários fatores, identificados em vários estudos, que atuam de modo independente ou de modo combinado. Sendo de nomear, barreiras linguísticas; barreiras culturais; estigmatização social; iliteracia em saúde; dificuldade prática de aceder a serviços de saúde; baixa condição socioeconómica, entre as principais razões apontadas.
Contributo para a diminuição da vulnerabilidade das comunidades migrantes para a infeção por VIH e sucesso do seu tratamento
A declaração de Compromisso da UNAIDS (Joint United Nations Programme on HIV/AIDS), recomenda "o reconhecimento da vulnerabilidade das dos migrantes nas estratégias nacionais de prevenção, rastreio e tratamento da infeção VIH, incluindo políticas, programas, apoios e ações especificamente dedicados e adaptados a estas comunidades" como forma de obviar as barreiras anteriormente referidas.
É, de há muito conhecida a necessidade de adaptação e otimização das mensagens de redução de risco e cumprimento do tratamento para a infeção por VIH, de acordo com o estrato socioeconómico e sociocultural, de modo a responder às características intrínsecas da Pessoa que Vive com VIH.
No caso específico das comunidades migrantes é importante a execução, de estratégias de rastreio e prevenção; educação para o tratamento; literacia em saúde, inseridas na comunidade. O recurso a parcerias entre as instituições do sistema de saúde, e organizações de base comunitária, que possuem o conhecimento detalhado das populações, assim com as estruturas físicas e operacionais, afiançam o sucesso destas iniciativas que garantem, na sua execução, a proteção dos direitos e dignidade do indivíduo.
Infeção por VIH como integrante da abordagem holística da saúde e educação para a saúde adaptada às especificidades de cada comunidade migrante
Em conclusão, a abordagem integrativa do acesso à prevenção e à saúde dirigida a comunidades migrantes, no contexto da infeção VIH, deverá ser parte integrante de estratégias e práticas de alcance integral, que contemplem todas as dimensões da saúde e educação para a saúde.
Com a colmatação do efeito das desigualdades sociais neste campo - oferecendo um leque abrangente de educação para a saúde, educação para o tratamento, rastreios gerais, acesso generalizado aos cuidados primários e aos cuidados especializados - conseguir-se-á precaver os efeitos do estigma, aumentar a Qualidade de Vida Relacionada com Saúde (QVRS), diminuir a vulnerabilidade para a infeção por VIH, aumentar os resultados em saúde relacionados com o tratamento da infeção por VIH e estádios menos graves no momento do diagnóstico da infeção por VIH.
Daqui resultará um enorme contributo para a prosperidade social dos países de acolhimento, e ajudando na persecução de um dos pilares sustentadores do fim da epidemia: Indetetável = Intransmissível, para conseguir cumprir a meta de erradicar a epidemia VIH/ SIDA nos próximos 8 anos, até 2030.
Profissional da indústria farmacêutica//Este é um texto de opinião pessoal. As posições expressas não vinculam ou espelham as posições da empresa para a qual trabalho.