In memoriam Eduardo Lourenço (1923- 2020).Por mais que o tema pensado seja outro, não consigo escapar à imensa perda que o dia de luto nacional hoje assinala. A morte de Eduardo Lourenço deixa-nos órfãos de quem, durante décadas, pensou Portugal e, por meio da complexa simplicidade do seu discurso, nos levava através das entranhas fantasmáticas de um povo e de um país que tem as mais antigas fronteiras e uma fortíssima identidade em permanente dilaceramento. .Tenho muitas recordações pessoais de Eduardo Lourenço e até uma gratidão muito especial porque foi a leitura dos seus textos luminosos que consolidou a minha perspetiva crítica sobre Fernão Mendes Pinto, tema do meu doutoramento: bastou uma única frase, "o viajante penitente", para me guiar num trabalho de anos. Recordo, também, a passagem pela China, uma viagem oficial com o Presidente Jorge Sampaio que coincidiu com as exéquias de Deng Xiao Ping, em que atravessámos uma Cidade Imperial vazia, por entre os seus comentários breves e certeiros, mostrando veredas que não tínhamos pensado. Mas por mais mundo que percorresse, estava sempre presente o seu lugar de origem, "quem vê o seu povo, vê o mundo todo", o provérbio familiar que gostava de citar, dando-nos a ver o universo a partir das fragas da aldeia de São Pedro de Rio Seco. .O Centro de Estudos Ibéricos, sedeado na cidade emblemática da Guarda, foi uma das suas visões que este ano completou 20 anos: um lugar que servisse o conhecimento de heranças partilhadas e um longo passado comum, com um sentido da História presente e futura. Em várias das suas intervenções, Eduardo Lourenço refletiu sobre a fronteira entre Portugal e Espanha que considerava apenas simbólica: "Em termos americanos onde é a nossa fronteira?.Em parte nenhuma, nem naquela que temos à vista e atravessamos a pé enxuto, como César o Rubicão. A verdadeira fronteira é simbólica, não natural, como essa mesma do célebre riacho italiano que separava a ordem de Roma, da desordem do capricho ditatorial." .Dos momentos em que tive o privilégio de falarmos, o que recordo com mais emoção é o seu desarmante sentido de humor que servia como caleidoscópio da realidade..Nestes últimos três anos, só muito por alto lhe falei do novo desafio ibero-americano, mas estou certa de que apreciaria o que estávamos a fazer como o projeto das escolas bilingues e interculturais de fronteira entre Portugal e Espanha. Diria sorrindo que talvez servissem para nos conhecermos, desconstruindo estereótipos e aproveitando melhor a proximidade. Estou também certa de que ficaria contente por saber da cooperação entre os países que integram a CPLP e os Estados membros da Organização de Estados Ibero-americanos, e discorreria longamente sobre a relação entre culturas e até um tempo em que espanhol e português eram línguas de cultura dos dois lados da fronteira..Em 1 de dezembro, dia em que nos deixou, reuniram os Ministros ibero-americanos da Educação e foi apresentado o Programa da OEI para os próximos dois anos. A pandemia afetou profundamente o caminho que vinha sendo percorrido para melhorar a qualidade da educação. Na região mais desigual do mundo, desde 2010 que a educação tem sido uma prioridade sendo reconhecido o seu importante contributo para a diminuição da pobreza e sociedades mais equitativas. Partilhando experiências, encontrando soluções adequadas a cada realidade, os governos empreenderam uma luta contra o abandono escolar precoce, mais formação docente, melhor gestão das escolas e também melhores condições de aprendizagem, desde a eletrificação ao acesso a meios digitais. No último relatório sobre a Educação na Ibero-América, publicado recentemente, mostra-se ainda como os sistemas educativos, de uma forma geral, incorporaram as competências para o século XXI começando a preparar os alunos para os desafios do futuro..Nestes poucos meses que tanto alteraram as nossas vidas, a escola viu-se confrontada com a imperativa necessidade de encontrar soluções que mitigassem as consequências do encerramento. As desigualdades tornaram-se mais evidentes, sobretudo a enorme diferença no acesso ao digital, o meio mais expedito para substituir as aulas presenciais. Outros meios foram usados: a televisão, a rádio e até as fichas de estudo levados às casas dos alunos. Porém, os países perceberam que a escola do futuro tinha de chegar mais depressa e, na reunião de ontem, muitos referiram os seus esforços para avançar com a transição digital, muito mais vasta do que o mero apetrechamento. Quase todos referiram, porém, que a prioridade continuará a ser o ensino presencial (a interação entre pessoas é essencial), mas a escola do futuro tem de chegar mais cedo e não se limita ao digital, mas deve acelerar um ensino por competências (incluindo sociais) que interrogue o que importa aprender e como aprender. A maior preocupação será, contudo, combater o abandono escolar que está de regresso depois de ter diminuído de forma tão significativa..Alicia Barcena, Secretária Executiva da Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL), num relatório elaborado em colaboração com a OEI sobre os efeitos da pandemia, mostrou que os mais afetados foram os mais pobres, o desemprego atingiu em primeiro lugar jovens e mulheres, a precariedade aumentou e o futuro é incerto. .Apesar deste cenário de grande dificuldade, o que ficou do encontro dos responsáveis ibero-americanos da Educação foi a grande vontade de desafiar este presente e encontrar caminhos que construam um futuro para os mais novos..Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos