Derrubar muros. Câmara de Cascais e prisão do Linhó avançam com projeto de reinserção social
Um protocolo de cooperação entre o Município de Cascais e a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a celebrar esta segunda-feira, 24 de janeiro, abre a porta ao projeto "Linhó Circular", que promete "revolucionar os Estabelecimentos Prisionais", pelo menos na forma como se pensa a reinserção dos reclusos, tentando evitar que regressem às cadeias.
Trata-se de um projeto arranca agora com a fase da conceção e instalação de todo o processo de recolha separativa de resíduos sólidos, transição energética, eficiência hídrica e agricultura biológica, com capacitação dos reclusos através de formação certificada nas diversas vertentes, bem como transformação de toda a área que circunda o Estabelecimento Prisional (cerca de 50 hectares) dando corpo a um projeto agrícola. Desenvolvido pelos alunos reclusos de um estabelecimento prisional com uma população extremamente jovem (entre os 20 e os 30 anos) e uma taxa de reincidência muito elevada, o projeto valoriza em 90% os terrenos que circundam o EP do Linhó, e permite que os produtos agrícolas ali produzidos possam ser inseridos nas refeições dos reclusos, promovendo a empregabilidade qualificada e o sucesso da reinserção através de uma formação certificada na área da agricultura sustentável.
Mas é mais do que isso. Jorge Roquete Cardoso, adjunto do presidente da Câmara de Cascais, que acompanha de perto o grupo de trabalho que faz a ligação com o EP do Linhó e os dois projetos, disse ao DN que ambos estão a ser preparados há mais de um ano.
No caso do protocolo "Linhó promete derrubar muros", que envolve a sustentabilidade desses 50 hectares, este passa também por manter os espaços verdes, promover energias renováveis e aumentar o nível de eficiência energética, através da colocação de painéis fotovoltaicos e mini turbinas eólicas, aproveitando os resíduos orgânicos para a produção de fertilizantes a utilizar nos terrenos agrícolas. "Outra das grandes novidades deste projeto, que partiu de um grupo de alunos reclusos, no âmbito de um programa de participação ativa, designado "Projeto Nós Propomos! Cidadania e Inovação na Educação Geográfica", é o facto de se poder replicar o modelo, permitindo assim estabelecimentos prisionais ecologicamente geridos e sustentáveis, onde os reclusos intervirão diretamente tanto na fase de planeamento como nas fases de execução", acrescenta uma nota do município de Cascais.
Mas o segundo protocolo a celebrar com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais não é menos importante, uma vez que se prende com o regime aberto para alguns reclusos. "O nosso papel será participar na integração de alguns reclusos nos serviços da câmara", afirma Jorge Roquete Cardoso, lembrando que os mesmos "são muito deficitários numa série de áreas, onde é difícil arranjar mão de obra, muitas vezes com alguma qualificação. E por isso, através dos serviços municipalizados, a Câmara Municipal de Cascais, vai inserir esses cidadãos privados da liberdade e inseri-los no mercado de trabalho e remunerá-los". "Esta é uma forma de fazermos uma verdadeira reinserção e reintegração. Porque não nos podemos esquecer que um dos grandes problemas é que quando as pessoas saem das prisões, quando saem não sabem o que hão-de fazer".
O diretor do estabelecimento prisional do Linhó, Carlos Moreira, conta ao DN que este projeto "nasce num sítio engraçado, onde realmente as ideias devem fervilhar, que é na escola - em que os reclusos desenvolvem juntamente com as professoras este projeto".
"Aqui promovemos o aproveitamento de tudo, inclusive das cascas das nozes, que depois havemos de produzir", revela Carlos Moreira, um entusiasta da sustentabilidade, mas sobretudo do impacto que este projeto terá do ponto de vista social, dentro e fora da cadeia. "O EP do Linhó tem jovens com penas elevadíssimas. E ao longo destes anos é preciso muni-los de ferramentas para que quando chegam ao exterior consigam ter uma vida sem cá voltar", sublinha o diretor da cadeia, para quem esta é sempre "a vertente principal, que está subjacente às minhas ideias. E quando defino um plano individual de reeducação (que é obrigatório) e quer mais não é do que uma linha condutora de tudo o que tem que fazer enquanto cá estiver para ser avaliado positivamente e ter um efeito progressivo da própria execução e, passo a passo, ir flexibilizando a pena".
Carlos Moreira aponta a dicotomia dentro do EP do Linhó: "temos aqui indivíduos muitos jovens que são analfabetos. Felizmente também já temos oito deles na faculdade. Quando cheguei, no final de 2019, não tinha ninguém".
Antes do Linhó, Carlos Moreira dirigiu o Estabelecimento de Pinheiro da Cruz. "Quando de lá saí ficaram 44 reclusos em regime aberto, muitos dos quais ex-reclusos passaram para as próprias empresas da região, quiseram ficar, e as empresas absorveram-nos". É esse legado que quer deixar em cada Estabelecimento por onde passa o diretor que acredita na transformação interior de cada recluso.