Deputados insulares e julgamentos sumários
Nos últimos dias, provocados pelo semanário Expresso, os mais irrefletidos utilizadores das redes sociais trouxeram para o pelourinho público as viagens dos deputados eleitos pelos Açores e pela Madeira. O ataque era destinado a todos os partidos, uma vez que nenhum tinha escapado à "moscambilha". O Expresso resolveu apitar de ouvido, negando o histórico de grande jornal.
Os deputados recebem os valores do Parlamento que a lei lhes destina e, depois, recebem uma compensação parcial de mobilidade destinada aos portugueses das ilhas que outra lei também lhes destina. Ora, o cumprimento estrito da lei passou a ser uma imoralidade.
Sou eleito pelo círculo de Vila Real e recebo um valor por quilómetro para as minhas deslocações. Entre a AR e a minha residência são 400 km. Na legislatura de 2002 a 2005, o valor que me entregavam dava para o desgaste do veículo, combustível e portagens. Hoje, para quem faz sozinho a deslocação em viatura própria, o que recebo está longe de chegar. Não me lamento.
Mas imaginemos que um outro deputado do meu círculo viaja na Rodonorte. A viagem custa 22,5 euros, menos do que eu pago em portagens. O leitor pensará: então porque não vais de autocarro e poupas dinheiro? A resposta é simples, porque um deputado de Vila Real que represente bem o seu distrito deve fazer o seu trabalho às segundas-feiras e sextas-feiras, incluindo nas noites desses dias, e a viagem em transporte público de muitas horas impede chegar a tempo às comissões.
Ao analisarmos as circunstâncias do transporte de um deputado do Porto ou de Braga que faça a viagem de carro ou de comboio, a vantagem deste segundo meio, em custos, pode ser ainda mais considerável, com um benefício acrescido que é o do conforto.
Pode dar-se o caso de dois ou três deputados viajarem em conjunto e no mesmo carro. Nos círculos grandes tal circunstância é possível. Nenhum serviço parlamentar vai perguntar qual o contexto em que viaja cada deputado, como é lógico. Esta realidade é vivida nas administrações públicas e em muitas empresas, ponderando-se de forma igual realidades plúrimas.
Olhemos agora para um deputado que, por ser cliente frequente ou por razões de idade, tem desconto num título de transporte. O valor que recebe do Parlamento é indiferente a essas circunstâncias, é igual para todos, como é lógico e obrigatório.
Em Portugal não se dá o caso de haver no Parlamento um deputado que use o seu avião particular para deslocações. Há alguns países onde isso acontece e ninguém tem que ver com a realidade pessoal de cada um, com as suas disponibilidades financeiras. Esse deputado arrecadaria exatamente o mesmo do que os restantes, como todos entendem.
Os deputados das regiões autónomas recebem o que têm a receber do Parlamento e do Estado. Todos recebem o mesmo independentemente dos partidos. Acontece que nenhuma empresa de transporte aéreo pode garantir bilhetes e reservas para os deputados e está claro que o trabalho parlamentar não permite a marcação com tempo para que se possa obter o desconto. Não há um só deputado insular que consiga com o seu subsídio pagar todas as viagens entre o continente e as ilhas em "turística" dentro dos valores subsidiados pela Assembleia da República, e na maior parte das deslocações os deputados já só conseguem viagem em "executiva" não recebendo, nessas situações, o subsídio parcial de insularidade.
Por outro lado, os deputados devem olhar para a realidade que lhes permite gerir a sua despesa. O subsídio parcial de insularidade para o transporte aéreo, que tem mais de uma década e veio substituir a ajuda de Estado ao bilhete, é o que possibilita encontrar, legalmente, um equilíbrio entre receita e despesa.
Sendo antigo nestas coisas do Palácio de São Bento, conheci a rapinagem do tempo dos vales de transportes. Estes acabaram porque se chegou à conclusão de que havia ilegalidade frequente, viagens usadas por outras pessoas. Conheci o tempo das viagens-fantasma, outra ilegalidade. Nos dias de hoje é muito difícil o incumprimento, a ilegalidade. Mas se o Parlamento julgar, numa análise atenta, que pode haver, no limite, incumprimento, tem dois caminhos - o primeiro é o pagamento contra fatura; o segundo é o pagamento por encomenda - e deve segui-los. Qualquer deles pode servir, com agrado, para todos os deputados. Mas enquanto não existir outro método, outro sistema, são os parlamentares a tratar das suas viagens de acordo com as suas obrigações. E é exatamente nesse ponto que se coloca o tema da semana - os deputados insulares fizeram o que todos os seres humanos com inteligência e bom senso fariam nunca pisando a lei. Penso que este texto é suficiente para não chegarmos ao julgamento sumário que nos querem impor.