Deputado que usou peruca arrisca suspensão por transfobia
Um abaixo-assinado online, promovido pela deputada federal Erika Hilton (PSOL), mulher trans, pede a suspensão do mandato do também parlamentar Nikolas Ferreira (PL) por transfobia num discurso na tribuna da Câmara na quarta-feira, Dia Internacional da Mulher. Ferreira usou uma peruca, disse chamar-se "deputada Nicole" e afirmou, em jeito de deboche, que se sentia também uma mulher.
"Hoje, o Dia Internacional das Mulheres, a esquerda disse que eu não poderia falar, pois eu não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema aqui. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole", afirmou o deputado, fervoroso bolsonarista, enquanto colocava uma peruca loira.
Segundo o deputado por Minas Gerais, "as mulheres estão perdendo o seu espaço para homens que se sentem mulheres que estão querendo colocar uma imposição de uma realidade que não é a realidade". Já sem a peruca, acrescentou que as mulheres não "devem nada ao feminismo". "Retomem a sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade e formem a sua família, dessa forma vocês colocarão luz no mundo e serão valorosas".
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Para Duda Salabert (PDT), deputada também por Minas Gerais, a suspensão do mandato de deputado "é pouco". "Ele deve ser preso", prosseguiu. "Um parlamentar não pode usar a imunidade como escudo para cometer crimes, independentemente do ponto de vista político e ideológico de cada um, temos que seguir o entendimento da Suprema Corte brasileira, a qual reconhece a transfobia como um crime inafiançável, parlamentar não é melhor do que ninguém, então você não pode usar a tribuna para cometer crimes, para fazer declarações criminosas, racistas e transfóbicas".
Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, repreendeu publicamente o deputado. "O plenário da Câmara dos Deputados não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece a minha reprimenda pública pela sua atitude".
Nikolas Ferreira, com apenas 26 anos, obteve um recorde nacional de 1,5 milhões de votos nas eleições de outubro, com discurso muito próximo do de Jair Bolsonaro, segundo mais votado no sufrágio para presidente
"Consagrei a minha eleição ao Senhor e estou colhendo frutos de um trabalho que não é de agora. Espelho-me na força de Bolsonaro que, por 27 anos no Congresso, esteve sozinho e hoje é presidente", disse Nikolas Ferreira, após a eleição.
Nascido na favela Cabana do Pai Tomás, em Belo Horizonte, a vitória mostra, segundo o próprio, "que o jovem pode ser conservador e não simplesmente pensar no fim de semana e ser escravo das suas vontades".
Na Câmara dos Deputados garantia "dialogar com todo mundo" porque o Congresso é como "uma sala de aula gigantesca em que você tem que pedir lápis de alguém porque se esqueceu". Mas aliar-se ao outro lado, nem pensar: "Não tenho aliança com esquerda, com comunistas, são cínicos, mentirosos".
Nikolas superou em 400 mil votos o segundo deputado mais votado do país, Guilherme Boulos, do PSOL, que concorreu por São Paulo, um estado mais populoso, e é mais conhecido -- foi candidato a presidente em 2018 e é dado como sucessor de Lula da Silva.
No plano estadual, Duda Salabert (PDT), a deputada trans que quer a prisão do colega, foi a mulher mais votada de Minas Gerais. Mas Nikolas discordou: "a mulher mais votada foi Greyce Alias (Avante), quando mudarem a biologia, aí vocês dão o título para outro, até lá: parabéns, Greyce".
Nikolas diz inspirar-se em conselhos da mãe, Ruth Ferreira. "Cuidado com a esquerda porque você está consagrado a Cristo", diz-lhe ela. A propósito de um eventual casamento, Ruth pediu ao filho para "reparar na forma como uma mulher trata a sua mãe e se ela mantém as unhas bem-feitas".
O deputado só acredita em sexo depois do matrimónio, conforme manda a Bíblia, clama pela "defesa da vida desde a concepção" e exige "homem em casa de banho de homem e mulher em casa de banho de mulher".
Durante a pandemia, gravou-se a ser impedido de visitar o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, por não ter comprovante de vacina, ganhando admiradores entre o bolsonarismo.
Noutra ocasião, votou contra a proposta municipal para batizar um centro de saúde em Belo Horizonte com o nome de Marielle Franco, a vereadora do Rio executada em 2018, chamando-a de "abortista". Na sequência sugeriu o nome de Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar, para o local.