Deputado da Nova Democracia é comunista dos quatro costados

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Desempregado da construção civil é agora deputado no Funchal

É o deputado do relógio de parede ao peito que fez suspender os trabalhos da Assembleia Legislativa da Madeira. Uma atitude deliberada que tomou em sinal de protesto pela redução dos tempos atribuídos aos partidos da oposição. Um homem que dá a cara pelo PND, Partido da Nova Democracia, mas que jura continuar comunista para sempre.

Para uns, José Manuel Coelho está a ser usado por uns "meninos bem" do Funchal para desestabilizar e descredibilizar o Parlamento da Madeira. A resposta dele é seca: "Sei o que estou a fazer. Por isso, no segundo dia mudei de táctica. Levei uma camisola com um relógio estampado. Sei que há regras a cumprir."

Como é que este homem que garante ser comunista se encaixa num partido assumidamente de direita? "O PND na Madeira é um movimento anarca que abriu as portas aos cidadãos. Agarrei a oportunidade que me deram para continuar a minha luta contra a corrupção. E aqui estou. Não tenham pena de mim. Agora estou no Parlamento. Quando não me quiserem, parto para outra."

Há quem se lembre do rapaz que vendia romances de cordel nos transportes públicos. Do pai que vendia flores. Do Coelho ardina do Avante! e de outras publicações oficiosas do PCP, pelas ruas do Funchal. Dispensado pelo partido - "Critiquei-os e eles não gostaram" -, voltou-se para a UDP e mais uma vez afastado.

Operário de construção civil, desempregado de longa duração, os patrões pagaram e pagam para colocá--lo a milhas. "Sempre que lutei pelos meus direitos era posto na rua", diz o novo deputado independente do PND. Iniciado no PCP, reconhece: "Se não fosse o Partido Comunista, era um analfabeto político. Serei sempre comunista."

Tem 55 anos. Começou a trabalhar na construção civil aos 17. Foi servente de pedreiro. Quando se deu o 25 de Abril estava em Lisboa, no Batalhão de Caçadores 5, em Cam-polide. Acabara a especialidade de transmissões quando foi enviado para Angola na operação de rendição de tropas na pós-revolução. Embarca no Verão de 1974, regressa no fim de 1975. No regresso à Madeira faz uma "experiência na Igreja Adventista do Sétimo Dia" e depois adere ao PCP quando percebeu que havia "muita arrogância" do poder saído das eleições de 1976. "Fui andando no partido, fui aprendendo. Havia cursos de formação ideológica de marxismo-leninismo, vinham professores da escola do partido dar aulas de economia para termos a noção do país em que vivíamos, como era o sistema salazarista inserido num capitalismo monopolista de Estado, era o que eles diziam, o que tinha sido o 25 de Abril...".

Era um quadro intermédio, tinha militância activa mas nunca quis ser empregado do PCP porque "os funcionários ganhavam muito pouco". Preferia ser voluntário, cobrava quotas, vendia a imprensa do partido.

Em 1981, o Avante! completava 50 anos. O jornal irmão da URSS, o Pravda, ofereceu 50 viagens a Moscovo, com passagens aéreas e hotel, ao Avante! premiar os militantes que mais se destacaram na difusão do jornal. E lá foi Coelho ver "as coisas boas da URSS", concluindo 27 anos após a visita que, "afinal, há qualquer coisa de parecido no modelo da Madeira com o modelo soviético, só que, ainda, de uma forma incipiente".

O PCP é como um amor do passado que nunca se esquece?

"Eu nunca tive problemas com o PCP. Eles é que tiveram problemas comigo. É ao contrário. Quando se abraça uma causa, temos de ser sinceros naquilo em que se acredita. Se se deixa de acreditar, abandona-se. Se se acredita, temos de ser fiéis. Não podemos fazer jogo duplo, não podemos estar ali num faz-de-conta, numa hipocrisia."

Para já, mantém o casamento por conveniência com o PND, que lhe possibilita um novo palco. Ganhou fama nacional com a sua proeza no hemiciclo, que irritou o PSD madeirense. O que irá seguir-se?

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