Depósitos e certificados guardam mais de 188 mil milhões
O ano de 2020 foi de crise, mas para muitas famílias portuguesas foi também um ano para poupar. Os depósitos bancários e os certificados de Aforro e do Tesouro engordaram para valores máximos. No total, as famílias têm mais de 188 mil milhões de euros guardados no banco, em depósitos, ou em certificados estatais.
No caso dos depósitos bancários, os portugueses puseram de lado mais de 8 mil milhões de euros em 2020 e tinham, no final de outubro, 158,6 mil milhões de euros no banco. Em termos de certificados do Estado, são 29,7 mil milhões de euros em poupanças das famílias, o valor mais alto de sempre. Só no mês de novembro, as famílias aplicaram 108 milhões de euros em certificados do Tesouro e 11 milhões de euros em certificados de Aforro, de acordo com o Banco de Portugal.
A tendência é visível na melhoria da taxa de poupança que tem vindo a subir neste ano. No final de setembro situava-se em 10,8% do rendimento disponível, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, que compara com 7,2% em 2019.
"Um estudo do Banco Central Europeu publicado recentemente mostra que poupança está a subir em toda a Europa e que, ao contrário do que sucede habitualmente nas crises, a explicação principal para o aumento da poupança não é o receio face ao futuro, mas o facto de as famílias terem cortado nos gastos de forma involuntária, dado que foram impedidas de seguir o seu padrão de consumo habitual", afirmou Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros.
"Em Portugal, deve também destacar-se o efeito das moratórias de crédito. Ao não pagarem as prestações, as famílias ficaram com esse dinheiro nas suas contas, engrossando o volume global de depósitos", explicou.
Mas o economista lembra que a crise atual, provocada pelas medidas adotadas no âmbito da pandemia, atingiu "as famílias de forma assimétrica, havendo muitos casos de perda de emprego e rendimento sobre os quais pode ser ofensivo sequer falar em poupança".
"É provável que a tendência se altere quando a pandemia normalizar e terminem as moratórias, mas é ainda muito incerto o momento em que tal venha a acontecer, com a situação a mudar diariamente", disse Filipe Garcia. " Portanto, há uma parcela dessa poupança que não é propriamente voluntária. É verdade que implica a diminuição de consumo de alguns bens e serviços, mas a decisão não foi discricionária", reiterou.
Para António Ribeiro, economista da Deco Proteste, a tendência de as famílias optarem por colocar poupanças em depósitos e certificados estatais "tem vários perigos". "Este ano, a inflação é negativa e, portanto, o rendimento que houver é rendimento real, mas no próximo ano espera-se uma subida da inflação", alertou. "As famílias devem aplicar as poupanças em ativos com um rendimento acima da taxa de inflação para que possam obter um rendimento real positivo", indicou. O Banco de Portugal antecipa uma taxa de inflação positiva de 0,3% em 2021 e de 0,9% em 2022. Em 2020, estima uma taxa de inflação negativa de 0,2%. "A longo prazo, as poupanças vão perdendo valor real", avisou.
Com a maioria dos bancos a oferecer taxas de juro de zero ou próximas de zero nos depósitos, António Ribeiro aconselha a uma reavaliação dos montantes aplicados em depósitos em 2021. Os certificados do Tesouro e de Aforro "são uma opção mais interessante", sobretudo para aplicações superiores a cinco anos. Se tiverem margem financeira, "as famílias devem repartir as poupanças em capital garantido e sem capital garantido", apontou. Uma das opções pode ser o investimento em fundos mistos, com ações e obrigações. "As famílias devem ter sempre dois tipos de poupanças: um fundo de emergência em depósitos e certificados de Aforro ou do Tesouro e uma poupança de longo prazo, mais orientada para a reforma", destacou. Aqui, podem optar por fundos de investimento ou por soluções como Planos Poupança Reforma, Fundos de Pensões ou Certificados de Reforma, que têm a vantagem de terem benefícios fiscais", frisou.
Mas António Ribeiro ressalvou: "É provável que possamos ter ainda uma crise económica" com o fim das medidas adotadas na pandemia, como as moratórias. E lembrou que essa crise, a acontecer, ainda se poderá refletir nos mercados financeiros. Por isso, recomenda cautela às famílias na hora de investir.
Elisabete Tavares é jornalista do Dinheiro Vivo