Alda e Manuel, casados, na casa dos 30, duas filhas pequenas (uma com 4 anos, outra com 7), são uma exceção. Porventura, a exceção. Em tempos, como a maior parte dos jovens de Barrancos, deixaram a sua terra em procura de outra vida. Ela foi para Lisboa, estudar Desporto; ele, Música (violino), para Évora. Mas, por razões económicas, nem um nem outro aguentaram. E voltaram - deixando para trás o que sonharam com os estudos que fizeram. Gerem o bar da Sociedade Recreativa Artística Barrenquense - que antes do 25 de Abril era a sociedade recreativa dos pobres, por oposição à sociedade dos ricos, a União Barranquense. Manuel tem também um negócio de apicultura..As duas sociedades ficam quase frente a frente, na praça central da terra, a Praça da Liberdade. Está aqui o centro administrativo deste que é o mais remoto dos concelhos de Beja - concelho com (não chega) 1500 eleitores e uma única freguesia. Está a câmara, o serviço de Finanças, os correios, etc. E é lá que, no final de agosto, todos os anos, decorrem as festas que em tempos colocaram Barrancos nas primeiras páginas dos jornais como uma espécie de pequena aldeia do Astérix que desafiava todo o regime. Razão: a tourada acaba com o toureiro (a pé) matando o touro..O regime vergou-se. Em 2002 legalizou a tradição. E, conta Manuel, aconteceu então o que se previa: "Depois de ser legal as pessoas deixaram de aparecer." Quer dizer: a festa está cheia, mas agora só cheia q.b., com as gentes locais, dos concelhos vizinhos, dos emigrados de férias na terra natal..Os forasteiros já não aparecem nem hordas de jornalistas e a GNR tem uma vida mais descansada. Os grupos antitourada também preferem faltar - podem ser muito mal recebidos. Os toureiros vêm de Espanha. No Natal também há festas populares muito concorridas: "É um ar fresco que entra nas contas" do bar da sociedade, diz Manuel..Enquanto o DN conversava com Manuel e com Alda, abeirou-se José Texugo, mecânico da câmara. Primeiro não se mostrou muito conversador, mas minutos depois mudou de ideias. E trouxe com ele... o independente que o PS candidata à câmara: João Serranito Nunes, 68 anos, licenciado em História com um percurso profissional todo feito ao serviço do Estado, na área do ambiente, que regressou à terra quando se reformou. Querem o evidente: mostrar as ideias do partido para um concelho historicamente dominado pela CDU (só entre 2001 e 2005 é que o PS controlou a autarquia). Após algumas insistências, José Texugo lá admite: é o presidente da concelhia socialista..E eis então que, a meio da conversa, entra na sociedade recreativa o histórico presidente da Câmara de Barrancos, o comunista António Pica Tereno, agora nos últimos dias de uma longa vida autárquica, impedido de se recandidatar pela limitação dos mandatos. Meio a brincar meio a sério, o DN sugere uma fotografia dos dois juntos: o candidato comunista e o candidato socialista que lhe quer suceder. Facilmente se percebe: não é boa ideia. E não é só porque são adversários..Na verdade são mais do que isso - são cunhados. Uma irmã de Serranito Nunes é casada com Pica Tereno. Segundo conta, durante anos andaram a tentar convencê-lo a avançar. Mas com o cunhado sucessivamente reeleito achou melhor não. Quando a lei impediu Tereno de se recandidatar, Serranito Nunes aceitou o desafio do PS. As relações, é claro, esfriaram..É neste ambiente que se disputam pouco mais de mil votos. Numa terra onde o grande empregador é a câmara, o tema central é, evidentemente, o combate à desertificação. Fora da agenda estão, é claro, as festas com touros de morte. São elas, afinal, o grande consenso local..NOTAS DE VIAGEM Dia 2 .152 quilómetros.O conta-quilómetros do carro do DN já mostra 474 quilómetros desde o início desta viagem ao interior do país: 322 feitos no primeiro dia, segunda-feira, de Lisboa a Mértola, com passagem por Alcoutim, e 152 ontem, de Mértola a Barrancos e acabando em Encinasola, na Andaluzia, para efeitos de pernoita..Descansar no Canto do Abade.Marcar um hotel em Barrancos revelou-se um fracasso: o Hotel Agarrocha, única oferta viável, está fechado. E assim aconteceu o que acontece muitas vezes com os barranquenhos quando têm problemas de saúde: rumar a Espanha. O Rincon del Abade (traduzindo: Canto do Abade), em Encinasola (traduzindo: Azinheira sozinha) cumpriu as expectativas. Passando de um lado para o outro, percebe-se imediatamente que o país mudou: a estrada é muito melhor..Um dialeto sem grafia definida.Em Barrancos todos falam espanhol. Mas também todos - começando pelas crianças - dominam o dialeto local, o barranquenho, uma espécie de mistura entre português e castelhano. O interessante é que o dialeto continua vivo - mas sem que se ensine na escola (passa por via familiar). A razão é simples: não tem - ao contrário do mirandês, por exemplo - grafia definida..O mapa político de Barrancos.Barrancos tem sido, historicamente, um "caso" entre a CDU e o PS: os comunistas ganham as autárquicas e os socialistas as legislativas. Sem Pica Tereno a poder ser reeleito, a CDU avança agora com a vice-presidente da autarquia, Isabel Sabino. O PS com Serranito Nunes e o PSD (em coligação com o CDS) com Dalila Guerra. No atual executivo, três são CDU e dois PS. 170 votos deram aos comunistas a vantagem em 2013 - com um universo de votantes de pouco mais de 1100 eleitores.