Depardieu como Dumas lança polémica em França
Os seus livros Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo e O Colar da Rainha já foram incontáveis vezes adaptados ao cinema e à televisão, mas nunca nenhum realizador tinha feito um filme sobre o seu autor, Alexandre Dumas, o neto de um nobre e militar francês e de uma escrava crioula de São Domingos, hoje Haiti.
Até que o realizador francês Safy Nebbou viu no palco a peça L'Autre Dumas, sobre a relação entre o escritor e o seu colaborador Auguste Maquet, e decidiu filmá-la, propondo a Gérard Depardieu interpretar o papel do homem que criou D'Artagnan, Athos, Porthos e Aramis e que o ex-Presidente Jacques Chirac fez entrar no Panteão em 2002, onde repousa agora ao lado de Victor Hugo e Zola.
A escolha do louro Depardieu para interpretar o mestiço Dumas em L'Autre Dumas, que se estreou em França no dia 10, originou um protesto doConseil Représentatif des Associations Noires de France (CRANF), que pela voz do seu fundador e presidente, Patrick Lozès, argumentou tratar-se de "um insulto e de um acto chocante".
Segundo esta organização, deveria ter sido escolhido um actor de cor para personificar Dumas. O facto de ser Gérard Depardieu o seu intérprete é "uma maneira de dizer que não há nenhum actor negro talentoso o suficiente para interpretar Alexandre Dumas, o que de forma alguma é verdade".
Depardieu, que no filme foi maquilhado para ter a pele mais escura e usa uma cabeleira com caracóis para melhor se assemelhar a Dumas, defendeu-se destas acusações, classificando-as de "ridículas" e "desnecessárias". Falando há dias no Festival de Berlim, onde apresentou o seu novo filme, Mammuth, o actor foi sucinto: "É um assunto sem interesse".
Respondendo à acusação do CRANF de que a indústria cinematográfica francesa estava a escamotear a origem étnica do autor de A Rainha Margot, o realizador Safy Nebbou disse que Gérard Depardieu foi escolhido para o papel por ser o actor ideal, dado o seu carisma maciço e a sua personalidade transbordante , para dar vida a uma figura da dimensão e com a inesgotável energia criativa de Alexandre Dumas.
Aliás, numa entrevista dada ao Le Figaro Magazine, Depardieu confessou que não conhecia bem a biografia do escritor antes de ser contactado para o papel: "Eu misturava Alexandre Dumas pai e Alexandre Dumas filho". Para o actor, o que há de admirável em Dumas é "a sua força, a sua energia, a generosidade, que ele voltava a injectar nos seus livros". Na sua obra, Gérard Depardieu aprecia "o culto da amizade, mas sobretudo a obediência ao dever e aos valores, que são também os da França. E o amor absoluto da vida, que também animava Santo Agostinho".
L'Autre Dumas centra-se menos na figura de Alexandre Dumas e mais na relação do escritor com Auguste Maquet (interpretado por Benoît Poelvoorde), que colaborou com ele em 18 dos seus romances históricos e em várias peças, e que alguns dizem ter sido o igual de Dumas e querem "reabilitar". É o caso de Bertrand Fillaire, no livro Alexandre Dumas, Auguste Maquet et associés.
Entre outros, Maquet delineou o enredo e esboçou as personagens de Os Três Mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo ou A Tulipa Negra. Por exigência do editor, o seu nome nunca constou dos livros de Alexandre Dumas, mas o escritor sempre foi muito bem pago pela omissão e morreu rico.
No filme, Maquet usurpa a identidade de Dumas para se insinuar junto de uma rapariga pela qual se apaixona. Uma liberdade criativa que o realizador utiliza para ilustrar as tensões entre o escritor que entrou para a história da literatura, e o colaborador que ficou na sombra.