Depardieu: a vida, o amor, as vacas e o vinho
dos três grandes festivais, este é aquele em que se torna mais difícil vaticinar o vencedor. A corrida para o Urso de Ouro costuma dar sempre vencedores imprevisíveis. Ainda assim, a imprensa internacional e a alemã dividem-se entre Fuocoammare, o documentário do italiano Gianfranco Rosi, e a história autobiográfica de Thomas Vinterberg, The Commune. O diário berlinense Berliner Zeitung fez um barómetro com diversos críticos alemães e a vitória vai para Fuocoammare, estando Quand on a 17 Ans, de André Téchiné, também muito bem classificado. Quanto a Cartas da Guerra, o filme está a meio da tabela, variando a classificação entre as duas e as três estrelas, o mesmo acontecendo no quadro de vários críticos internacionais da publicação Screen International.
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Em jeito de filme de encerramento, passou ontem na Berlinale Palast a comédia de Gustave Kervern e Benoît Delépine Saint Amour, na qual Gérard Depardieu interpreta um idoso agricultor com um coração de ouro. Saint Amour está na seleção oficial mas fora de competição e foi uma espécie de alívio para os festivaleiros depois de uma maratona de filmes pesados, pesadões e pesadíssimos.
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Alavancado por uma interpretação genial de Depardieu (nunca o vimos assim tão barrigudo e com uma cabeleira branca) e o mais hilariante cameo do festival, o do escritor Michel Houellebecq, é um road movie sobre um pai e um filho, ambos agricultores, que decidem fazer um circuito de vinhos pelas regiões afamadas num táxi parisiense. Pelo caminho, o pai tenta animar um filho que terá perdido a paixão pela criação bovina e ambos acabam por encontrar uma série de mulheres com as quais têm bizarros encontros sexuais, tudo isto sempre regado com os melhores vinhos de um país de...vinhos.
O peso do corpo de Depardieu
Com um apelo humanista que não estava nos anteriores filmes desta dupla iconoclasta (Louise-Michel, Experiência de Quase Morte, Aaltra), Saint Amour é o chamado "agrada multidões", tendo provocado aqui no Palast ruidosas gargalhadas, sobretudo nas cenas de excesso de álcool do filho agricultor (interpretação com teor alcoólico elevado por parte do belga Benoît Poelvoorde), um especialista em descrever os dez estados possíveis da embriaguez. Mas se desta vez surge humanismo e um apelo de ternura neste cinema, Kerven e Delépine não abdicam de um estilo formal selvagem e sempre boémio. Às duas por três, sente-se que é um filme comandado pelos doces efeitos do álcool. Aliás, o ator que interpreta o taxista mulherengo francês, a coqueluche atual de França, Vincent Lacoste, contou aqui à imprensa que a rodagem durante a tarde não avançava muito graças às provas de vinhos que a equipa de filmagens era convidada por cada presidente da câmara.
Mais a fundo, Saint Amour é um conto sobre a tragédia dos homens temporariamente sós e um espelho com rigor de absurdo de uma França de contrastes, a tal nova França que vota n extrema-direita. Ao mesmo tempo, nunca perde a sua compostura de comédia sexual insana - ver o gigante Depardieu nu e em cima da bela e frágil Céline Sallette é uma das imagens desta Berlinale. Se os americanos tinham Dumb and Dumber e Sideaways, o vinho francês agora dá aos franceses esta bujarda nonsense.
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E já que se fala de imagens fortes, a correr fora de competição, esta 66.º edição do festival também trouxe um filme que não nos sai da cabeça, Chi-Rak, de Spike Lee, um dos momentos maiores desta programação. Um regresso à boa forma do cineasta de A Última Hora [2002], cuja câmara parece voltar a ter aquela fúria tão única. O filme em questão é uma comédia dramática em rima e com uma marcada cadência musical hip hop.
Baseado na comédia de Aristófanes Lisístrata, Lee leva-nos à Chicago dos nossos dias, também conhecida na comunidade negra por Chi-Rak (alusão ao Iraque devido ao número de vidas perdidas que a guerra entre gangues provoca). A pistola é apontada ao espectador e Lisístrata aqui é uma mulher negra que decide organizar uma greve de sexo para que os homens parem a violência. Sem paz não há nada para ninguém e a coisa chega até à cama de Obama... Na verdade, Chi-Rak é cinema de combate, cinema de intervenção na pura aceção da palavra. De lamentar que no fim tenha uma resolução ligeiramente atabalhoada e excessivamente sentimental. O certo é que Spike Lee prova mais uma vez ser uma das grandes vozes sociais do atual cinema americano. Chi-Rak é um discurso imponente sobre a linguagem e as suas múltiplas formas.
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Ao que percebemos ninguém em Portugal ainda fechou o filme para exibição em Portugal, bem ao contrário de Quand on a 17 Ans, de André Téchiné, e Fuocoammare, de Gianfranco Rosi, ambos comprados pela Leopardo.
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ICA aposta na promoção
Enquanto isso, o ICA - Instituto Português do Cinema fez um esforço financeiro grande com anúncios de página inteira nas revistas de cinema sobre as oito produções portuguesas presentes na Berlinale. Na Variety, por mais do que um dia, o anúncio saiu na contracapa. A indústria em Berlim percebeu que um país com problemas de financiamento para o cinema estava em força no festival.