Democratas
De vez em quando, a exagerada propensão para o debate gera antagonismos curiosos. Uma explicação pare eles é o clássico problema da notoriedade mediática: se não radicalizares, ninguém te liga nenhuma. Os meios de comunicação social, sobretudo a televisão, gostam da clareza antagónica e, na falta do especialista do tema, surgem os excitados de serviço que apelam imediatamente à fogueira redentora. A cada documentário com alunos a desrespeitar os professores ou um deputado a dormir no Parlamento, uma pequena plateia de comentadores apela à prisão dos menores ou à dissolução. Para quem está em casa e sabe alguma coisa do que vê, a sensação é de desrespeito mínimo pela regra de estudar primeiro e falar depois, sobretudo quando muitos deles utilizam com arma de arremesso o passado, onde quase tudo seria melhor.
Um debate que às vezes confunde mais do que esclarece é o de quem era democrata nos anos finais da Ditadura e durante os anos quentes da nossa transição. Seriam os comunistas democratas no final dos anos 60 em Portugal? E o prof. Freitas do Amaral e os fundadores do CDS? Nos últimos tempos, até o PS do dr. Mário Soares não defenderia a democracia, porque era socialista. O debate faz pouco sentido, pois a grande maioria das democracias são produto de elites, instituições e cidadãos, por vezes longe de expressar esses valores que tantos prezam hoje. Alguns partidos comunistas da Europa do Leste reconverteram-se à democracia, com sucesso, e poucos se atreverão a dizer que a elite franquista era constituída por genuínos democratas. Se a História fosse assim tão fácil, desaparecia uma profissão consagrada.
O aparecimento da chamada "ala liberal" com o marcelismo protagonizou a emergência de uma "semioposição" que caminhou rapidamente para um programa político democrático sob a direcção de Sá Carneiro. A rápida exclusão desta por Marcello Caetano e o 25 de Abril acabou por ser uma conjuntura feliz. Pelo menos aqui existia um pequeno núcleo de centro-direita com legitimidade democrática. É esta a história que nos conta Tiago Fernandes no seu livro, Nem Ditadura, nem Revolução (D. Quixote, 2006). Se já está de férias e não quer passar a vida a ver a desgraça dos tanques israelitas de volta a Gaza, aproveite para ler.