Democracias europeias

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Salvini achou que bastavam uns truques e seria ele o primeiro-ministro. O governo polaco achava que podia fazer o que quisesse que ninguém interferiria. Merkel foi à Hungria e, em vez de atacar Orbán, disse que a Europa deve muito aos húngaros. Ainda bem que tudo isto aconteceu assim. A União Europeia contribui para a (e beneficia da) qualidade das democracias nacionais, mas não as tutela.

Em Itália, há uma boa surpresa e uma boa notícia. A surpresa é que Salvini é muito menos inteligente do que se pensava. O ataque ao governo de que fazia parte só lhe é útil se o líder da Liga Norte continuar a ser influente no governo e, consequentemente, na Europa. Se o Movimento 5 Estrelas fizer um acordo (muito complicado) com o Partido Democrático e mais uma mão-cheia de pequenos partidos e deputados independentes, Matteo Salvini será, no máximo, uma Le Pen: uma ameaça permanente mas sem poder factual. A democracia italiana, por muito feérica que seja, tem mecanismos de preservação, entre eles um presidente e um sistema parlamentar. E a União Europeia tem sabido respeitar isso, tratando o seu governo com a legitimidade que merece e a distância que se justifica.

Na Polónia, o secretário de Estado da Justiça e dois altos funcionários do ministério tiveram de sair do governo por se ter descoberto que tinham orquestrado uma campanha de bullying contra juízes que se opõem à reforma judicial do governo (a razão de ser das suspeitas europeias de que na Polónia está em causa o funcionamento do Estado de direito). Para muitos analistas, este e outros episódios são mais uma maquilhagem do que uma mudança de facto. À medida que as eleições polacas se aproximam (outubro), que o Orçamento da União Europeia está a ser discutido e, sobretudo, que a investigação lançada por Bruxelas decorre, Varsóvia quererá parecer melhor do que é. É provável. Mas isso faz o governo fazer algumas coisas bem feitas e, desse modo, acaba por criar melhores condições de vida para a oposição.

Por último, na sua visita à Hungria, em vez de afrontar o primeiro-ministro, como já fez, e bem, Merkel aproveitou o 30.º aniversário do Piquenique Pan-Europeu (um evento fundamental na queda do comunismo a leste, quando a fronteira entre a Alemanha de leste e a Hungria foi atravessada por milhares sem que os guardas fronteiriços os impedissem) para destacar o papel da Hungria e dos húngaros na construção da liberdade europeia. Orbán aproveitou para dizer que os húngaros sabiam que a sua libertação do jugo soviético dependia da reunificação alemã. Este gesto é importante porque reconhece o que atraiu a Hungria à Europa, não destrata o povo e recorda os valores que contam.

Há muita gente, e mesmo muito boa gente, que gostaria que a União Europeia fosse a oposição aos governos nacionais de que não se gosta. É uma ideia tentadora e má.

O que estes pequenos exemplos recordam é que a Europa, sendo uma construção desejada, feita com respeito pelos povos e assente em países com instituições democráticas que funcionem (mesmo que tenham pouca tradição), é influente sem ser impositiva como uma potência externa.

Consultor em assuntos europeus

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