Democracia e boa governação
O exercício de apreender os problemas do país é essencial para a decisão sobre a governação e as políticas públicas mais adequadas, sendo cada vez mais preciso pensar que os equilíbrios sociais são fundamentais para o desenvolvimento económico. A cada momento a democracia - nas suas dimensões política, jurídica e histórica - desenvolve-se mediante processos de mudança socioeconómica, quer ao nível das normas como das instituições, exigindo um equilíbrio constante. E se o futuro do país está absolutamente condicionado pela acção da mudança social, importa considerar que a resposta às crescentes desigualdades (e suas consequências sociais, políticas e económicas), assim como a promoção de um crescimento inclusivo das economias, anda também associada à boa governação política.
Ora, ante os sucessivos escândalos que atingiram diversas entidades financeiras - que, de acordo com o Banco de Portugal, só entre 2007 e 2017, envolveram um apoio dado pelo Estado ao sector bancário na ordem dos 17 mil milhões de euros, tendo tido "um impacto acumulado neste período de 9,1% do PIB no défice e de 12,3% do PIB na dívida pública" -, em especial as dimensões política e jurídica da democracia são centrais. É que, volvidos dez anos do início da crise financeira, mal se compreendem os incessantes escândalos que, ano após ano, exigem intervenções do Estado. Como lembra o economista Joseph Stiglitz, na sua obra O Preço da Desigualdade, em qualquer sociedade "as falhas na política e na economia estão relacionadas e reforçam-se uma à outra" e "quando os que prejudicam os outros não têm de suportar as consequências das suas acções (...), nada os impele a prevenir os riscos de prejuízo". É assim que alguns dos problemas políticos vividos pela nossa democracia devem ser também entendidos na dinâmica do próprio sector financeiro, do seu passado, presente e futuro, sendo certo que a governance destas empresas - que exige um conjunto de políticas, procedimentos e leis que regulam a maneira como são dirigidas e administradas - deve suscitar atenta reflexão. Tanto mais que, como também enfatiza Stiglitz, "existem duas formas de enriquecer: criando riqueza ou retirando riqueza dos outros. A primeira dá algo à sociedade. A segunda tem a característica de subtrair à sociedade, uma vez que no processo de tomar a riqueza há uma parte dela que é destruída".
E quando em Portugal os cidadãos - em especial a denominada "classe média" - suportam uma compressão salarial (considerando a grande proximidade entre o valor da remuneração mínima mensal garantida e o da remuneração-base média mensal, situação que vai forçando muita da população qualificada a emigrar) e uma forte pressão fiscal, resultante, nomeadamente, do IRS, do IVA e do imposto sobre os combustíveis (já que, segundo o INE, em 2017 a carga fiscal aumentou para 34,7% do PIB) e se assiste a um enfraquecimento das funções sociais do Estado (em especial na saúde e educação públicas), assim como a acentuadas desigualdades sociais e salariais (uma vez que o nosso país está entre os países mais desiguais da OCDE), a questão que se suscita será a de pugnar por mais justiça social, sabendo-se que não existe desequilíbrio mais ameaçador para a sociedade do que um crescente sentimento de falta de equidade social.
Daí que seja premente que o poder político saiba responder a estes problemas do país, que estão a enfraquecer a nossa democracia, designadamente mediante a implementação de um conjunto de políticas de boa governação no plano financeiro, adequado e eficaz ao nível da supervisão prudencial e fiscalização e mais exigente no âmbito da governance destas entidades.
Professora universitária