Deixa-te de parvoíces, Art, e canta se fores capaz

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Ainda estava sob a influência dos olhos arregalados da Té, que me contou que numa viagem entre Lisboa e Nova Iorque Paul Simon e Art Garfunkel cantaram na executiva para a tripulação - para ela, na verdade. E aparece-me no Facebook o Jorge Pereirinha Pires, o velho Blitz em pessoa, com o link de uma entrevista do Art Garfunkel ao Telegraph, publicada anteontem. Os anos 70 vieram à superfície, deixa lá ver o que o rapaz diz. Nem é rapaz, nem tem caracóis loiros, e embora diga que está pronto a subir ao palco ao lado de Paul Simon, vai ele e começa a desancar o ex-companheiro. Até tinha pena do pequenote quando andavam no liceu, era tão baixinho, tão tímido, tão complexo de Napoleão. Criei um monstro, diz ele, armado em esperto.

Conta até que um dia George Harrison o abordou: o meu Paul é como o teu Paul, disse o Beatle. Dois Paulos cheios de talento que não gostavam lá muito de partilhar a glória. Por alguma razão tanto os Beatles como o Simon & Garfunkel acabaram rapidamente.

O Art fala muito do Bridge Over Troubled Water, OK, uma coisa daquele tempo de paz e amor, amigos para sempre, etc. Sou mais do The Sounds of Silence, do The Boxer ou do I Am a Rock. Sim, sou capaz de ouvir os discos deles e os do Paul Simon a solo, e não é por nostalgia, é porque gosto. Boa música, ótimas letras, still crazy after all these years.

Talvez devesse agora ir espiolhar a internet e encontrar frases assassinas de Paul sobre Art. Hão de andar por aí nas nuvens. Ficava a saber as tricas, as manias. Logo eu que gosto tanto de biografias, que tento perceber como é que uma pessoa faz coisas extraordinárias em vez de se encher de Prozac, por exemplo. E quantas vezes a ser uma pessoa insuportável para os que estão em volta. Gosto de saber como foram as vidas das pessoas.

Mas isso são coisas sérias, não são coisas de meninos queixinhas. Ai ele era assim e assado, levava calduços e belinhas. Eu era o simpático, ele era o macambúzio - a Té confirma que o Art era encantador, o outro um antipático. Mas foi o Paul que pegou na guitarra e cantou as canções escritas por ele, com o loiro ao lado a fazer olhinhos e agudos, no avião da TAP.

A Té já não é assistente de bordo, é livreira e editora, dedica-se com entusiasmo maluco a divulgar a arquitetura, e uma pessoa vai ter com ela à A+A e depara com 357 volumes que queria comprar e a conta bancária não aguenta. E o Jorge já não é Blitz mas escreve, traduz, pensa e faz tudo bem. Enquanto o Art, que tem no site a lista dos livros que leu desde 1968 com o número de páginas de cada um, escusava de dizer aquelas coisas sobre o Paul, que, cá para mim, é um génio. Deixa-te de parvoíces e canta, Art, se ainda te aguentas nos agudos.

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