"Defender os agentes e fechar o batalhão". O lema que gerou o caos
Sem polícia na rua desde sábado, as ruas de Vitória, capital do Espírito Santo, e de outras cidades do estado do Sudeste do Brasil, vivem momentos de caos absoluto. Estavam contabilizadas até meio da tarde de ontem 87 mortes violentas e quase 300 lojas saqueadas. Parte dos transportes públicos não circula, há empresas que não abrem as portas ao público e as escolas estão fechadas por precaução num total de 110 milhões de reais, perto de 35 milhões de euros, de prejuízos materiais. Destino turístico, o estado já estima impacto negativo no setor na ordem dos 30% no Carnaval. E com o som de tiroteios como pano de fundo, a população prefere ficar em casa a ir trabalhar ou fazer compras básicas.
"Não vi nenhum tiroteio simplesmente porque não ponho o nariz fora de casa mas oiço muitos da janela e recebo vídeos e áudios constantes dos crimes que se estão a passar lá fora", conta ao DN Leandra Lopes, doméstica de 26 anos, moradora na região da Grande Vitória. "Fui apenas ao supermercado fazer compras inevitáveis mas voltei logo para casa cheia de medo porque pessoas suspeitas de moto circulam por todo o lado a encarar-nos, por isso a maioria das lojas fechou, as escolas também, é uma cidade-fantasma."
A greve começou no sábado. Não em forma de greve formal, porque a polícia está proibida pela Constituição de a fazer, mas através de um movimento de familiares dos agentes que bloqueia os batalhões em Vitória, nas cidades limítrofes e noutros pontos do Espírito Santo, estado entre o Rio de Janeiro e a Bahia, com quatro milhões de habitantes e área correspondente a aproximadamente metade de Portugal. Reivindicam os familiares, liderados por mulheres dos polícias que se autodenominam "Marias", um aumento salarial de 65% até 2020.
"Guerreiras da polícia, qual é a sua missão? Defender os agentes e fechar o batalhão", cantam as "Marias" em frente aos batalhões. "O salário de menos de 2300 reais [à volta de 700 euros] não dá para sustentar uma família", diz um polícia que prefere não se identificar. A mãe dele acrescenta que, "além dos gastos normais, há o risco permanente e há gastos em fardas porque eles só têm direito a uma por ano, se se estragar alguma coisa têm de comprar outra do próprio bolso".
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A maioria da população da capital estadual e de Linhares, Aracruz, Colatina, Cachoeiro de Itapemirim e Piúma, as outras cidades afetadas, está sensível aos protestos dos agentes, considerados em comparação com os dos outros estados os que menos ganham em todo o Brasil, mas não aceitam a greve - ou o equivalente a ela - como forma de protesto. "Há outras formas de protestar, o estado está um caos, há mortos e feridos nas ruas", diz Leandra Lopes. "Há três dias que não vejo uma moeda", afirma o serralheiro mecânico Ronaldo Ferreira, entrevistado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
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O governo do Espírito Santo lançou nota a afirmar que a polícia, "na prática, mantém a população presa em cárcere privado" e acusou os métodos de negociação das lideranças do movimento de "chantagistas". César Colnago (PSDB), o governador interino - o titular, Paulo Hartung (PSDB), está de baixa médica - requisitou mil homens ao exército, a trabalharem desde terça-feira, e anunciou ontem novos pedidos à Força Nacional, que é policial, e mais uma vez às Forças Armadas, para "restabelecer mínimos de segurança". As autoridades deixaram ainda no ar a possibilidade de exonerar os polícias que aderiram à paralisação.