DECO quer que lei das telecom inclua medidas de proteção para a pandemia
Com o prazo para a transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (CECE) "mais do que ultrapassado", a Deco quer que a futura lei das telecomunicações inclua já medidas de proteção do consumidor avançadas pelo Governo durante a pandemia, como a possibilidade de rescindir contrato sem penalização em caso de desemprego. E já transmitiram esse entendimento ao Governo. A CECE deveria ter sido transposta até 21 de dezembro de 2020, em janeiro o Governo admitia que estaria para breve. Até ao momento não foi possível obter da tutela uma indicação sobre uma data. Bruxelas já avançou com um processo de infração a Portugal por ter falhado prazo.
"Uma vez que o prazo está mais do que ultrapassado há todo o interesse em que haja uma transposição completa, profunda sobre todos os temas que envolvem a transposição e não apenas uma transposição mínima do código, e que os Estados membros exerçam todos os seus poderes para que possam introduzir todos os benefícios", defende Luís Pisco. O jurista da Deco exemplifica. "Situações que a pandemia veio levantar como perda de emprego, mudança de local de trabalho, todo o tipo de situações em que há uma alteração das circunstâncias do consumidor, é necessário introduzir alterações à Lei que permitam denunciar o contrato sem penalização", refere. "Essa possibilidade existe no Código Civil mas, neste momento, como existe um vazio na lei das comunicações, teve de se fazer a moratória dos bens essenciais, mas é temporária", alerta o jurista, estando em vigor até 30 de junho de 2021. "É preciso que essas medidas temporárias por causa da pandemia passem a efetivas na Lei", defende.
"Fizemos chegar esse conjunto de sugestões ao Governo", diz Luís Pisco. Primeiro no grupo de trabalho criado para discutir a adaptação da diretiva europeia e em "nova carta já este ano, dizendo que ultrapassado o prazo não faria sentido insistir-se na transposição mínima da diretiva, mas sim novamente discutir todos os aspetos relacionados com a transposição".
A necessidade de cumprir o prazo de 21 de dezembro de 2020 para a transposição da CECE levou, em outubro, o Governo a deixar cair os contributos nacionais - do grupo de trabalho formado pela Deco, o regulador sectorial Anacom e pela Apritel, a representante dos operadores - e optar por uma transposição simplificada da diretiva. "As regras das fidelizações e cessação antecipada dos contratos", contidas na diretiva "serão integradas no ordenamento jurídico português, beneficiando os utilizadores de comunicações eletrónicas dos mesmos direitos que os restantes cidadãos europeus", garantia o Executivo.
Mas três meses depois do prazo, a transposição ainda não ocorreu. "É importante que essa transposição seja feita de uma forma bastante completa e não de uma forma minimalista como pretendia o Governo uma vez que foi ultrapassado o prazo da transposição. Tem de ser uma transposição em que os Estados-membros exercem todos os poderes que a CECE lhes permite, de forma a potenciar a proteção dos consumidores e a concorrência efetiva. Em Portugal há uma concorrência imperfeita", considera Luís Pisco, da Deco.
José Ferreira tem outro entendimento. "Não identificamos, no mercado nacional - dada a sua dinâmica concorrencial - uma necessidade de alterações estruturais à lei das comunicações portuguesa", considera o diretor-geral e sócio da Boston Consulting Group (BCG) Lisboa. "A CECE é muito ampla e confere liberdade aos Estados-membros sobre que medidas implementar e que mecanismos adotar, não sendo ainda conhecida a proposta final de transposição desta diretiva para Portugal", diz. "As medidas estruturais que venham a ser tomadas devem ser precedidas de análises de necessidade e de impacto, um passo que está previsto no CECE e em muitas outras diretivas europeias", reforça o co-autor, com Dianne Gomes, do estudo O valor da Fidelização para o consumidor e o mercado de Telecomunicações em Portugal.
Luís Pisco contraria essa ideia. "Em Portugal existe um mercado onde os consumidores estão presos a um contrato de comunicações, porque caso queiram sair durante a fidelização têm uma cláusula leonina que os obriga a pagar uma indemnização agressiva. É isso que a CECE permite aos Estados-membros que façam desaparecer", diz o jurista da Deco.
Uma posição sustentada pela Autoridade da Concorrência que, em 2019, considerou que a atual política de fidelização - prevista na Lei das Comunicações Eletrónicas - impedia a mudança de operador, bem como os incentivos à concorrência deixando os consumidores "mais vulneráveis ao exercício de poder de mercado".
"O que observamos no mercado nacional é a rotação normal dos clientes em função das suas preferências e necessidades, em função da oferta competitiva de cada operador. O mecanismo de fidelização é um fator de promoção de inovação e investimento, na medida em que cria condições mais favoráveis para o fazer", defende José Ferreira. A própria Anacom "publicou resultados de estudos que demonstram como o consumidor faz os trade-offs de preço / fidelização", aponta. Segundo esses estudos, a "esmagadora maioria dos clientes não quer pagar mais pela redução ou eliminação do mecanismo de fidelização (~90%), preferindo o regime atual", e, "apesar da existência de ofertas com períodos de fidelização menores, a maioria dos clientes contrata serviços com a duração de 24 meses (84%), por opção própria, para beneficiar de ofertas com mais atributos". Mais, 75% dos clientes não pensa em mudar de operador. "Apenas 4% dos consumidores inquiridos pela Anacom apontam a fidelização como uma preocupação e a principal razão para não mudar de operador", diz ainda.
Mudanças no modelo de fidelização pode ter impacto, em última análise, no próprio consumidor, argumenta o consultor da BCG. A fidelização - em Portugal pode ir até um máximo de 24 meses - permite ao operador atenuar o risco associado aos custos e investimentos iniciais para cada cliente. "Para um período de fidelização de 24 meses, essa permanência não permite recuperar a totalidade custos incorridos nesse período", diz. "As receitas geradas ao longo do período de fidelização suportam apenas 93% do total de custos por cliente, sendo necessários 29 meses de subscrição para cobrir a totalidade dos custos efetivos de servir o cliente", afirma. "Se assumíssemos uma rotação de cada cliente a cada 12 meses, por exemplo, os custos a serem suportados seriam muito substanciais - pelo que acabariam por ser suportados pelo consumidor final, de alguma forma."
Mas também nos volumes de investimento dos operadores. O estudo da BGC aponta uma redução de até 150 milhões de euros. "A nossa estimativa é um proxy para o que poderia acontecer em Portugal em termos de quebra de investimento, quando comparamos com outros países com base no investimento, como a percentagem das receitas do setor", diz. "Em países em que a incidência de fidelização é menor, o investimento situa-se nos 18% sobre as receitas. Em Portugal, este valor está aproximadamente nos 22%. O valor de 150 milhões de euros corresponde a uma redução de cerca de 15% face aos níveis de investimento atuais."