Declaração de Lisboa deve ser o "ponto de não retorno" na proteção dos oceanos

Responsável da ONU na expetativa de um consenso dos estados-membros em torno de uma Declaração de Lisboa "robusta", que não deixe espaço a recuos na salvaguarda dos mares.
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A Conferência dos Oceanos deverá marcar um "ponto de não retorno" nas políticas dirigidas à proteção dos mares e, para isso, é necessária uma posição "muito robusta" esta sexta-feira, o dia final da iniciativa que decorre desde segunda-feira em Lisboa. Este não será, no entanto, o final do caminho, mas apenas o princípio.

Miguel Serpa Soares é subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Jurídicos e conselheiro da presidência da Conferência dos Oceanos - partilhada entre Portugal e o Quénia - e é um homem confiante no desfecho de amanhã. E se há quem levante dúvidas sobre a aprovação de um documento (que já existe em "rascunho") que exige consenso entre os estados-membros das Nações Unidas, Serpa Soares não admite outro cenário que não esse. "Não consigo imaginar que a declaração não seja aprovada. A versão preliminar é muito abrangente, muito robusta, com um texto muito longo que inclui um diagnóstico e um programa de ação pormenorizado", defendeu ontem.

Falando no mesmo dia em que se ouviu a ministra do Mar de Moçambique, Lídia Cardoso, falar das dificuldades de obter financiamento para projetos ligados à proteção ambiental e resistência às alterações climáticas, o responsável da ONU disse acreditar que este não será um obstáculo. "Não creio que vá ser um problema no futuro. Não tenho dúvida de que haverá financiamento, ao nível que é necessário, para os países em desenvolvimento. O dinheiro e a vontade política estarão lá", assegurou Miguel Serpa Soares, num ponto da situação sobre a Conferência dos Oceanos.

Mas, qualquer que seja o desfecho, o processo não acaba esta sexta-feira: pelo contrário, Lisboa deverá ser o início de um caminho, de um "processo mais vasto", que vai ter um novo capítulo já em agosto, com a negociação de um novo tratado para a preservação da biodiversidade em águas internacionais (que não estão sob a jurisdição de nenhum país), que constituem dois terços da superfície oceânica. "O oceano é uma realidade muito vasta, implica muitas entidades. Só nas Nações Unidas há 29 entidades a desenvolver trabalho relacionado com os oceanos", lembrou o conselheiro, que admitiu também que "o tempo das Nações Unidas move-se devagar", consequência direta da necessidade de juntar 193 Estados.

Ainda assim, sublinhou Miguel Serpa Soares, o ano de 2022 já conta duas "boas surpresas" - o acordo alcançado pela Organização Mundial do Comércio para combater a pesca ilegal; e o avanço das negociações para evitar a proliferação de plásticos nos mares. Uma lista a que espera juntar a Conferência dos Oceanos, destacando o "valor político desta conferência como ponto sem retorno" - "Não vejo como os líderes mundiais poderão recuar dos compromissos. Não podemos voltar atrás e isto é apenas o começo de um processo muito mais vasto".

Ontem, a Conferência dos Oceanos foi o palco para a apresentação do relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) sobre pescas e aquicultura, relativo a 2020. Mas foi sobre o presente que Manuel Barange, diretor de Pescas e Agricultura da organização, deixou um alerta. De dezembro de 2021 a abril de 2022 o preço do peixe aumentou 25% a nível mundial , isto num contexto em que cerca de três mil milhões de pessoas - quase metade de toda a população mundial - não têm acesso a uma alimentação saudável. "Estamos muito preocupados", sublinhou o responsável da FAO, especificando que o aumento de preços é transversal a toda a produção alimentar.

Sobre os dados relativos a 2020, Manuel Barange avançou que a produção mundial de pescado atingiu valores recorde, chegando aos 214 milhões de toneladas (número que engloba 178 milhões de toneladas de animais aquáticos, fruto das pescas e aquicultura, e 36 milhões em produção de algas). Um registo que se deve em larga medida à aquicultura, com uma produção de 87,5 milhões de toneladas, que já praticamente iguala a captura de peixe (90 milhões de toneladas). A aquicultura é, no entanto, uma atividade com uma distribuição geográfica muito desigual: 92% da produção está concentrada na Ásia.

De acordo com os dados revelados pela FAO, boa parte da produção piscícola mundial foi destinada ao consumo humano: 127 milhões de toneladas, um valor recorde. O que significa que cada pessoa consome por ano, em média, 20, 2 quilos de pescado, um valor que poderá aumentar para os 25,5 quilos em 2050. Mas, para que isso aconteça, defendeu Manuel Barange, é essencial que a produção piscícola seja gerida de forma sustentável, um capítulo em que há boas e más notícias. Atualmente 64,5% das pescas são feitas de forma sustentável (embora o valor represente uma quebra de 1%), um valor que a FAO coloca nos 82,5% considerados outros fatores, como a pressão sobre os stocks. E com uma boa gestão não há pressão sobre os recursos, acrescentou Barange, defendendo que o pescado pode ser um fator-chave para alimentar os dez mil milhões de pessoas que habitarão o planeta em 2050.

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