Debate do Estado da Nação. Estamos a atravessar uma zona de turbulência…
Se houve uma novidade no debate do Estado da Nação da passada quarta-feira, essa novidade foi o reconhecimento pelo primeiro-ministro de que atravessamos um período difícil e que os tempos que se avizinham vão ser complicados.
Não era habitual esta postura do governo, mas a pandemia, a inflação e a guerra na Ucrânia levou o Executivo a pôr os pés na terra e alertar os portugueses que há nuvens negras no horizonte.
Claro que o país cor-de-rosa não deixou de existir. Aliás, não me lembro de nenhum debate onde tenha sido tão avantajado o número de novos anúncios e medidas. Sabem, os debates têm destas coisas! Catalisam os executivos. Espicaçam-lhe a imaginação. Assim não faltou no debate, imagine-se, até o pré-anúncio de um novo hospital para Lisboa Oriental, com mais 875 novas camas à disposição dos lisboetas. Esperemos pelo caminho que não haja muitas primeiras pedras, nem muitas visitas ao local para ver a maquete do hospital, e que ele se construa depressa.
O debate foi, pois, polvilhado por novos anúncios. Novas medidas de apoio às famílias, creches gratuitas com acordo assinado com a União de Misericórdias, exames de saúde digitalizados, 3% do PIB dedicados a investigação e desenvolvimentos até 2030, libertar 765 mil pessoas da pobreza. Enfim há novas medidas para todos os gostos!
Houve ainda neste debate uma estratégia do Executivo, com o reconhecimento, pela primeira vez, de que estamos em tempos de vacas magras e que no futuro há uma grande probabilidade delas ficarem esqueléticas.
O diagnóstico dos problemas é exógeno. Não há qualquer culpa do governo. A inflação é causada pela guerra da Ucrânia, depois ainda estamos na ressaca da pandemia e sabe-se lá onde nos vão levar ainda as aventuras do sr. Putin. O que é curioso no meio de tudo isto é que sendo os problemas de índole era suposto ser o primeiro-ministro ou o ministro da Finanças a encerrar o debate. Mas não! Imaginem quem foram os protagonistas finais do debate? O ministro do Ambiente e o ministro da Cultura. Muito apropriado não é? E do ministro do Ambiente lá vieram mais anúncios. Vai haver, finalmente, medidas estruturais. Os portugueses que fiquem descansados que desta é que é. Foi avassalador. Ele é reformas na energia, na água, nas florestas, vamos ter dessalinização, ligações entre rios, novas barragens, energias renováveis solar e eólicas. E o ministro da Cultura que encerrou o debate anunciou até, espante-se, uma oferta cultural mais rica na rede portuguesa de arte contemporânea!
Era mesmo isto que estava a faltar no universo dos anúncios!
Bom, costuma dizer-se que quando a esmola é grande o pobre desconfia. Parece que foi o que fizeram as oposições o tempo todo. Desconfiar, pois claro. Foi o que fez o estreante líder da bancada parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, que obrigou o governo a pôr os pés na terra. Lá foi lembrando que entre 2016 e 2021 o PIB português teve um crescimento acumulado de 7%. Pouco mais que 1% por ano, portanto.
E que a reforma florestal não tinha funcionado, e que os serviços públicos, em especial a saúde, estão um caos.
Acabou a levar uma estocada de Costa quando o primeiro-ministro tirou da cartola as medidas económicas para o país que Miranda Sarmento tem no seu livro como, por exemplo, a criação de um valor mínimo de IRS de 40 euros para os 2,5 milhões de portugueses abaixo do nível mínimo de existência. Não foi bonito de se ver!
A economia esteve também no centro das preocupações da Iniciativa Liberal que relembrou à bancada do governo que não vale a pena embandeirar em arco quando há onze países da União Europeia, dentro da nossa lógica de desenvolvimento que vão crescer mais do que nós.
Assim, quatro horas em frente à televisão e ficamos com a ideia de que o governo não vai conseguir por muito mais tempo tapar o sol com uma peneira. Já começou por reconhecer a gravidade da situação que temos pela frente. Talvez um dia venha a reconhecer que uma obra acabada, uma medida bem aplicada por mais pequena que ela seja, mas com resultados concretos no terreno, vale mais do que mil anúncios.
Jornalista