Dean Martin, o homem que gostava de ser parceiro
Durante anos, alguns deles a vários shows por noite, deixou passar a imagem do homem que bebia demais. O que lhe permitia, por exemplo, truncar as letras das canções, aproveitando para gozar com terceiros, e forçar a nota nos momentos de humor, garantindo réplicas à altura para Frank Sinatra e Sammy Davis Jr., os seus dois parceiros mais destacados na famosa Rat Pack (embora eles se referissem a si mesmos como "o clã").
Quando essa "associação de malfeitores" já era apenas uma saudade, o filho desmistificou os "excessos alcoólicos" do pai, confessando que se tratava de sumo de maçã: "De outra forma, ele nunca poderia cantar como cantava", resumiu Dean Paul Martin, que haveria de morrer num acidente aéreo quando pilotava um avião militar. Curiosamente, seria o seu trágico desaparecimento que levaria à reaproximação do pai e de Sinatra, desavindos desde uma digressão da Rat Pack, interrompida por Martin, cansado e sem vontade de prosseguir.
Foi depois disso, quando regressou à TV, já sem o parceiro dos primórdios, o ator cómico Jerry Lewis, que Dean Martin conseguiu "trabalhar para os prémios", somando nomeações - e até uma vitória - nos Globos de Ouro, com o seu Dean Martin Show e criando até um formato que ainda hoje se mantém no ar, mais duro e menos divertido do que nessa fase original, The Dean Martin Celebrity Roast, um programa em que o convidado especial, em vez de homenageado, era gozado do princípio ao fim. Não se pense, de resto, que as personalidades que ali passaram eram menores - entre os alvos concretizados contaram-se Ronald Reagan, futuro presidente dos Estados Unidos, Hugh Hefner, o patrão do império Playboy, Kirk Douglas, Bette Davis, Barry Goldwater, Bob Hope, Lucille Ball, Muhammad Ali, James Stewart e o próprio Dean Martin.
Apesar deste namoro tardio com os prémios, o homem que nasceu em Steubenville, Ohio, a 7 de junho de 1917, é dos poucos que dispõe de três estrelas no passeio da fama de Hollywood, uma por "plataforma", reconhecendo os seus feitos na TV, no cinema e na música. Neste último capítulo, foi uma canção de Dean que travou, por algum tempo, a cavalgada de A Hard Day"s Night, dos Beatles, na lista dos discos mais vendidos nos Estados Unidos: chama-se Everybody Loves Somebody e foi um dos hinos de 1964, embora datasse de 1947.
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Lado a lado com That"s Amore, com vantagem sobre Ain"t That a Kick in the Head?, You"re Nobody Till Somebody Loves You ou de uma versão de Volare, vale como um dos cartões-de-visita da voz de crooner, assumidamente inspirada na de Bing Crosby. Mas vale mais: o epitáfio, no jazigo de Martin, que morreu no dia de Natal de 1995, é "everybody loves somebody sometime".
O pistoleiro das piadas
Martin foi casado por três vezes e teve oito filhos. No seu estilo sarcástico, chegou a dizer que as três expressões que mais ouvia, quando ia a casa, eram "olá", "adeus" e "estou grávida". Não poupava nas piadas, e também não as amaciava. Disse de James Stewart: "Há uma réplica do Jimmy no museu de cera e fala muito melhor do que o original." De Bob Hope: "Quando era novo, o Bob não tinha muito para dizer. Ainda não tinha dinheiro para pagar a quem lhe escrevesse as falas." De Milton Berle: "O Milton é um exemplo para todos os jovens que querem singrar no showbiz. É trabalhador, perseverante, disciplinado. Ou seja, tem todas as qualidades indispensáveis quando não há talento." Do seu amigo Sinatra, parte um: "No liceu, o Frank não frequentava atividades extracurriculares. Nem estudo da natureza, nem cerâmica, nem pintura. Mas talvez o seu hobby fosse mais interessante: ele era ginecologista amador." E parte dois: "A berguilha do Frank deveria ser doada ao Museu Smithsonian: além de muito popular, faz parte do património."
A popularidade do Dean Martin cantor ficou patente, numa homenagem de há dez anos, quando a tecnologia permitiu que fossem "montados" duetos da sua voz com as de Charles Aznavour, Joss Stone, Robbie Williams e Kevin Spacey, entre muitos outros.
Quanto ao cinema, a história é bem diferente. Entre 1950 e 1956, Dean rodou 14 filmes para ilustrar bem a parceria com Jerry Lewis. Mas foi já depois da separação do comediante que teve direito à sua trilogia de ouro, ao surgir em O Baile dos Malditos, de Edward Dmytryk, e ao lado de Marlon Brando e Montgomery Clift, depois em Deus Sabe Quanto Amei, de Vincente Minnelli, no seu "grande encontro" com Frank Sinatra (voltariam a filmar juntos em Os Onze do Oceano e Os 3 Sargentos), e por fim em Rio Bravo, de Howards Hawks, com John Wayne. E tudo isto no biénio 1958-1959.
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Nunca foi nomeado para um Óscar ou para qualquer prémio de representação. Se calhar, foi melhor assim, porque ninguém garante que estivesse disposto a levar a sério as eventuais conquistas. A sombra de Sinatra perdura até hoje, impedindo que muitos saibam que ele começou nas cantigas com o nome Dino (seu nome verdadeiro) Martino e que, além de trabalhador do aço, chegou a ser pugilista, com o nome Kid Crochet (o apelido da família era Crocetti...). Até aí tinha graça, ao defender que poderia ter feito história na modalidade: "Só perdi onze combates", garantiu. Perguntaram-lhe quantos travara: "Doze..." Era exagero: foram 36. Mas a verdade não podia atrapalhar uma boa piada.