Eles sorriem pelo para-choques, põem olhos tristes através do para-brisas, e até sabem mostrar quando têm a confiança sobre rodas. Todas as emoções cabem neste Carros 3, chegado ontem às nossas salas, com a assinatura do estreante Brian Fee que, depois do passo em falso que foi o segundo filme da franchise, parece apostar tudo no toque sentimental. Mesmo que, claro, não se menosprezem os assuntos da pista de corrida... Para não variar, tudo começa nela..O pensamento do carro protagonista, o famoso Faísca McQueen, deixa-nos logo vislumbrá-la ao pronunciar as palavras mágicas - "speed, I am speed" - antes de a pisar. E qual não é o espanto do carro vermelho quando, habituado a vencer, é facilmente ultrapassado por um estiloso carro preto, que nem sequer deixa ouvir o motor? O seu nome é Jackson Storm e veio fazer a vida negra a McQueen. Quer mandá-lo para a reforma..Está assim lançado o mote de Carros 3: o conflito geracional e as contradições da era das novas tecnologias. Um tema que se revela sustentável pela narrativa, na medida em que obriga McQueen a rever o seu entusiasmo no desporto, e a revisitar o passado. Aliás, é certo e sabido que a revisitação do passado será sempre uma boa jogada para qualquer sequela, e Carros tinha o trunfo de Doc Hudson, o mentor do protagonista (a quem Paul Newman deu voz no filme de 2006), cujas memórias trazem lições de vida. São mesmo o verdadeiro manual de instruções para ultrapassar uma crise existencial..Depois de um acidente aparatoso, Faísca McQueen regressa então a essas raízes, faz uma pausa nostálgica, recebe o apoio dos amigos, e não perde tempo em recuperar o desejo de ser campeão. Mas dado que já nada é como dantes, para se preparar devidamente ele será confiado ao programa de treinos de Cruz Ramirez, um carro amarelo e enérgico que o classifica como sendo o seu "projeto sénior": já se está a ver como o início desta amizade não vai ser fácil....Extremamente desajeitado com as novas tecnologias, que prometem velocidades alucinantes, McQueen acaba por tomar a decisão de ser o seu próprio treinador, num cenário menos sintético que o ginásio de carros. E é nessa aventura que Cruz Ramirez o acompanha, dando uma luminosidade girl power à história, que vai explorar noções como o "acreditar em si próprio" e a moderação do ego para ajudar os outros, menos confiantes, a crescer..Ideias bonitas que elevam a perceção dos adultos sobre o filme, mas que não retiram a franchise da prateleira. Porque o que está acima de tudo é a ideia básica da corrida, da pura adrenalina dos veículos animados. Na verdade, os Carros nunca se vão livrar de uma certa inferioridade em relação a qualquer produção Pixar, basta pôr em plano de comparação Ratatui, Wall-E ou Up-Altamente, para não falar de Toy Story (uma criação do realizador dos dois anteriores Carros, John Lasseter). E ainda assim, as crianças gostam e é verão..A curta-metragem LOU.A abrir a sessão de Carros 3 surge uma interessantíssima curta-metragem, sobre um menino que parece divertir-se a fazer mal aos seus colegas do recreio, tirando-lhes os brinquedos e guardando-os na sua mochila. Mas a vilania não passa despercebida a alguém que se esconde dentro da caixa de "Perdidos e Achados"... Alguém que aguarda o momento certo para pregar um susto ao rapazinho..E eis senão quando, de um conjunto de objetos perdidos se faz um monstro que, à medida da corrida, vai tomando várias formas, assemelhando-se ao E.T. de Spielberg ou, logo a seguir, ao monstro das bolachas! É caso para dizer que aqui sim reside a pura imaginação. Nestes 7 minutos de LOU, a Pixar, pela mão de Dave Mullins, mostra muito mais criatividade do que na hora e meia de Carros 3.