De volta à estaca zero

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A recente visita do presidente norte-americano Joseph Biden ao Médio Oriente e os seus encontros com os líderes de Israel, países do Conselho de Cooperação do Golfo e outros Estados árabes devem ser bem recebidos, por causa da atmosfera positiva que vão criar. E isso é tudo.

Existem algumas expectativas de que o envolvimento renovado dos EUA na região trará algumas mudanças fundamentais, especialmente nas relações ente Israel e a Arábia Saudita, mas elas são obviamente prematuras. O conservador Reino da Arábia Saudita não está pronto para seguir os passos dos seus países vizinhos (Emirados Árabes Unidos [EAU] e Bahrein) para normalizar oficialmente as relações diplomáticas com Israel, independentemente da decisão de abrir o seu espaço aéreo aos aviões civis israelitas. Esta decisão é importante para a redução dos custos das companhias aéreas nos voos de Telavive para a China e Índia, mas, segundo o alto responsável da Arábia Saudita, não representa um primeiro passo na normalização das relações entre os dois países, como foi reivindicado por Jerusalém.

Mesmo o presidente dos EUA, Biden, expressou a sua expectativa de que outros passos se seguirão. Parece que os governantes em Riade estão novamente a ligar a resolução da crise do Médio Oriente à iniciativa árabe de 2002. A Cimeira da Liga Árabe, em Beirute, que está a oferecer a Israel a normalização das relações com o mundo árabe após a justa resolução da Questão Palestina (a solução dos dois Estados). Dessa forma, a situação volta à estaca zero, independentemente dos Acordos de Abraão, assinados em Washington na época do ex-presidente Donald Trump, entre Israel e Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos.

Além do reconhecimento do problema regional iraniano, causado pelas suas ambições nucleares, está longe de ser claro que os Estados árabes estejam mais próximos da posição israelita contra o acordo nuclear "restaurado", que Washington está a tentar alcançar, incluindo a formação de algum tipo de aliança militar.

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A ameaça do uso da força contra o Irão é algo que sempre fez parte da posição dos EUA durante as negociações com o Irão e é claro que isso não significa que o acordo já não seja necessário. Essa ameaça é parte integrante do mesmo acordo e permanecerá como uma ferramenta que deve aproximar Teerão do acordo com potências estrangeiras e do texto aprimorado desse mesmo acordo.

Em Israel, que insiste no uso da força e na ampliação do tema do acordo para abranger também o programa de mísseis balísticos iranianos, tudo o que está a acontecer agora deve ser visto como parte do clima pré-eleitoral em que todos os participantes devem provar aos eleitores que são perfeitamente capazes de proteger o país de todas as formas possíveis.

É óbvio que a normalização das relações israelo-árabes como um processo que tenha algum êxito importante, vai bater no muro, o mesmo que separa Israel dos palestinos, e esta questão da futura posição do povo palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza virão sempre à tona, independentemente das tentativas de serem deixadas de lado.

A unidade árabe é uma coisa que foi sempre um assunto muito sensível e as diferenças entre as posições de todos os membros da Liga Árabe estão muito vivas. Os Estados do Golfo também têm algumas questões em aberto entre eles, para não falar sobre a situação do Iraque e as suas relações com o Irão.

Israel tem obviamente alguns avanços importantes, tendo tecnologia militar e civil necessária em todos os lugares e também relações próximas com Washington, o que pode ser muito útil para muitos países no campo militar e também económico. Mas, cada país do mundo árabe tem também a sua opinião pública própria, que é há anos educada no sentido de que o Estado judeu tem de ser destruído para sempre e os governantes desses países serão sempre muito cuidadosos ao mudarem a sua política, não tendo a resolução da questão palestina como uma desculpa para isso. Além disso, os políticos israelitas lutam o tempo todo pelos votos, alegando que são capazes de manter os palestinos fora da agenda e abrir embaixadas em países árabes.

Está cada vez mais claro que as coisas no Médio Oriente parecem melhores do que realmente estão. Há alguns avanços importantes, trazidos pelo inimigo comum (Irão), mas algumas das questões não-resolvidas terão de ser tratadas.

Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE

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