De Viena para Lisboa por um amor

O austríaco Jörg Demel veio a Portugal em 1991, tinha 17 anos. Apaixonou-se por uma portuguesa e estão juntos desde então.
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Um amigo austríaco que encontraram, por acaso, entre milhares de pessoas na estação de comboios de Barcelona disse-lhes que não podiam perder a ilha de Tavira. Jörg Demel, na altura com 17 anos, e os companheiros preparavam-se para percorrer Espanha em interrail. Portugal não fazia parte dos planos, mas, dada a recomendação, decidiram ajustar o itinerário. Estávamos em 1991.

"De Granada seguimos para Tavira, o que foi uma aventura porque na altura não havia ligação de comboio. Ia-se até Huelva, depois apanhava-se um autocarro até ao rio e depois num ferry minúsculo para passar para o outro lado. Achávamos que aquilo era um filme do faroeste. Uma linha de comboio com uma casota, um café com umas mesas, uns chapéus-de-sol e umas imperiais e Portugal começava ali", recorda. Rumaram até à ilha de Tavira. Numa das noites, num bar na praia, Jörg conheceu Sandra. Estão juntos desde então e casados desde 1996.

O amor à primeira vista falou mais alto. Já não continuou a viagem com os amigos. Ficou mais uns dias em Tavira e foi para São Pedro do Estoril com a futura mulher. Só voltou a reunir-se com os companheiros de viagem mais tarde, em Paris. "Sem telemóveis não sei como consegui voltar a encontrar-me com eles. Devemos ter combinado na pousada da juventude no dia tal. Não faço ideia", conta.

O destino estava traçado pelo coração. "Fomos namorando à distância e eu vinha cá mais ou menos de quatro em quatro meses", explica. O futuro, logo no ano seguinte, em 1992, acabaria por trazê-lo para Portugal, quando Sandra estava a meio do curso de Medicina. O primeiro ano por cá passou-o a fazer o curso de Português para Estrangeiros na Faculdade de Letras. Depois entrou para Saúde Ambiental. Hoje, continua a trabalhar na área, como sócio de uma empresa. Mas, ao mesmo tempo, também há e sempre houve a música. Além de outros pequenos projetos, há já seis anos que Jörg é o saxofonista da banda de Richie Campbell. A ligação entre os dois, contudo, começou ainda antes, quando o cantor português integrava os Stepacide.

Jörg Demel nasceu em Viena, em 1972. Mas nunca viveu na capital austríaca. "Cresci em Baden, que é uma espécie de Cascais, também a cerca de 30 quilómetros de distância." O pai, físico, era diretor de uma empresa multinacional que produzia válvulas industriais. A mãe fazia desenho técnico para arquitetos. Foi aos 6 anos que Jörg se iniciou nos estudos musicais. O primeiro instrumento foi a flauta de bisel. O clarinete e o saxofone só chegariam mais tarde. "Na Áustria é normal as crianças começarem a estudar música na mesma idade em que entram para a escola", explica.

O jovem Jörg tinha talento e, no início da adolescência, chegou a receber um convite e uma bolsa para ir para o Conservatório de Viena. Os pais preferiram que não. Acharam mais sensato que terminasse primeiro os estudos. Com a mudança para Portugal, porém, a ideia de investir numa carreira na música ficou posta de parte. Ainda assim, começou a tocar mal se instalou no novo país. "É uma coisa que faz parte da minha vida, por isso eu tinha de arranjar alguém com quem tocar. Na altura, na Linha de Cascais, havia muitos bares com música ao vivo. Comecei a ir com o saxofone às costas e arranjei logo os primeiros projetos", relembra.

Mais difícil foi o início da faculdade. O português que falava, mesmo depois do curso na Faculdade de Letras, "dava para desenrascar", mas era curto para as matérias académicas. No primeiro semestre não fez nenhuma cadeira. No segundo fez todas as que tinham ficado em atraso e as novas. Depois de acabar o curso de Saúde Ambiental arranjou emprego no Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Um dia, ao contrário do que era habitual, foi buscar Sandra ao hospital de Cascais. Ela chamou-o para que ele fosse ver uma bebé que nascera naquele dia e que tinha sido dada para adoção. Um mês depois estavam a levá-la para casa como família de acolhimento. A adoção plena chegaria mais tarde. Além de Joana, hoje com 21 anos, Jörg e Sandra têm mais uma filha, a Rita, de 19 anos. E um filho, o Tiago, com apenas seis.

Nos quase 25 anos que já leva em Portugal, Jörg diz que o país mudou para melhor. Mas também lamenta algumas alterações. "Sinto pena das coisas que se perdem, em Portugal e na Áustria, por causa da globalização e da normalização dentro da União Europeia. Na Áustria, por exemplo, muitos dialetos estão a desaparecer."

Jörg não esconde que sentiu um choque cultural quando chegou e que ainda não ultrapassou totalmente. "No início da relação com a minha mulher, quando combinávamos um encontro... Na Áustria, se a tua namorada não aparece ao fim de 15 minutos é porque nunca mais vem. Ela chegava uma hora atrasada e achava normal", conta a rir. Longas esperas à parte, a verdade é que Jörg e Sandra estavam à hora certa naquele bar em Tavira.

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