De um professor da Faculdade de Direito

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Concluí os cinco anos da licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e concorri após a licenciatura para seu docente, aberto que foi então concurso público, no verão de 2000, no qual fui recrutado. Comecei a dar aulas em setembro de 2000. Tenho sido seu professor (sequentemente nas categorias de assistente estagiário, assistente e professor auxiliar) nos últimos quase 22 anos, na instituição onde fiz e prestei também provas públicas, entretanto, de mestrado e de doutoramento. Considero, portanto, que conheço alguma coisa da faculdade, ao fim de 27 anos por lá, e após o exercício de diversas funções nos seus órgãos, paralelas ao ensino, que começaram ainda como representante eleito dos estudantes no então Conselho Diretivo, em 1997, e se prolongaram em diversas condições até hoje, tendo sido eleito recentemente para o seu Conselho Pedagógico.

No último parágrafo, noto que escrevi por duas vezes a palavra "público" e não terá sido por distração. É porque sinto a necessidade de justificar e explicar o que significa esta realidade, num espaço financiado pelo orçamento do Estado e instituído em razão de um interesse coletivo, especialmente perante as últimas notícias sobre a faculdade, de assédio moral e sexual de docentes sobre alunos.

E o que posso contribuir para esclarecer neste tema?

Em primeiro lugar, devo dizer que não me parece que a faculdade seja especialmente distinta de outras escolas ou de distintas entidades, públicas e privadas, em matéria de assédio. Já dirigi instituições públicas e tive efetivamente de lidar com casos de assédio entre trabalhadores. Não creio que haja uma especial "cultura de assédio" por ali. Houve, sim, uma iniciativa aberta para clarificar e apresentar à luz do dia queixas e problemas, que teve visibilidade pública - e bem. Trata-se de uma das maiores faculdades públicas do País, com o curso de licenciatura com o maior numerus clausus em Portugal, mais de 600 alunos em cada novo primeiro ano, para além dos mestrados, pós-graduações e doutoramentos, num total de mais de 4000 alunos. A sua dimensão objetiva e relevância social atribuem-lhe uma especial notoriedade e ela deve estar, sempre, à sua altura. E faria seguramente bem à totalidade da Universidade de Lisboa, e a outras, públicas e privadas, estender o mesmo crivo e a possibilidade de defesa de quem foi vítima, para além desta faculdade.

Em seguida, devo assinalar que a maioria das questões de que tive conhecimento que poderiam ser consideradas como de assédio ou de desrespeito procuraram efetivamente ser resolvidas no contexto próprio e pelas sucessivas direções da faculdade. Foram todas? Seguramente que não, mesmo se tal devesse ter ocorrido. A Faculdade é a vida real, tem problemas, tem pessoas.

Foi positivo neste tempo ter havido como que um "momento zero" para esclarecer e conhecer problemas verificados, independentemente da falta de contraditório, por parte de quem se sentiu vítima? Sem dúvida que sim. É tempo de se esclarecer tudo o que possa ser esclarecido e criar uma base ainda mais clara e objetiva para o que pode e não pode ser feito, nas relações entre docentes e alunos e entre alunos, em especial na medida em que uma faculdade possa ser por elas responsável ou ter nelas intervenção. Sentir-se vítima é sempre uma condição terrível, para mais num espaço de ensino e de liberdade. Ser-se vítima é uma condição de injustiça e de restrição, o oposto do que uma faculdade de Direito deve proporcionar.

Não pode, contudo, estender-se sobre a totalidade de um corpo docente de uma instituição o anátema de perseguidores e assediadores. A realidade deve ser conhecida objetivamente e resolvida a favor da justiça e da legalidade. A bem, desde logo, das vítimas, passadas, presentes e futuras. Há uma responsabilidade coletiva, institucional, mas acima de tudo há uma responsabilidade individual, de cada agressor.

A minha solidariedade é assim, em primeiro lugar, para quem foi assediado e violentado. Simplesmente não pode acontecer. Mas, a seguir, também para com todos os colegas que se sentem injustiçados na proclamação pública verificada nos últimos dias. Dar aulas e ter aulas na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa deve continuar a ser um orgulho. Assim possamos estar todos ao nível dessa condição, fazendo deste tempo um tempo de verdade e de justiça.


Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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