De técnico a político: os novos hábitos de Monti
O ex-comissário europeu não se cansa de repetir, desde que anunciou em finais de dezembro o seu desejo de conduzir de novo os destinos do país: ele não "desceu" à arena, mas "subiu na política". Mas esta visão não agrada a todos.
"De homem 'apartidário' tornou-se num homem de partido", escreveu Eugenio Scalfari, diretor do jornal 'La Repubblica' (esquerda), que apoiou Monti durante o seu ano de Governo - alheando parte dos seus leitores - num editorial intitulado "Porque Monti me dececionou".
"O feitiço está quebrado. Monti, ao entrar na política, caiu do pedestal onde tinha sido colocado", escreve no mesmo jornal a analista Barbara Spinelli.
Desde há algumas semanas, não se passa um dia sem que o presidente do Conselho demissionário dê entrevistas à televisão, à rádio, aos jornais, ao mesmo ritmo que o seu predecessor e rival, Silvio Berlusconi, conhecido pela sua "sobre-ocupação" dos media.
"Esses dois perseguem-se como Tom e Jerry e as pessoas já não percebem quem é Berlusconi e quem é Monti, quem é o gato e quem é o rato. Monti rouba o vedetismo a Berlusconi", diz Francesco Merlo na Repubblica, apesar de os dois homens terem dois estilos completamente diferentes.
Il Cavaliere acusa o seu sucessor de ter conduzido o país à recessão ao aumentar os impostos? Monti responde que é por ter sucedido a "irresponsáveis", ironizando a "linearidade de pensamento" de Berlusconi. Monti gosta de cantar? "sim, mas nunca cantei em barcos de cruzeiro", responde numa alusão aos princípios de carreira de Berlusconi.
Uma fotografia causou sensação: Monti assiste à missa da Epifania celebrada pelo Papa na basílica de São Pedro... com um telemóvel encostado ao ouvido, sob o olhar irado da sua mulher. Uma cena que lembra menos os sóbrios inícios do pio professor que um Berlusconi eternamente agarrado ao telemóvel, enquanto Angela Merkel o esperava para dar início a uma cimeira.
De forma mais séria, muitos ficaram surpreendidos de saber que aquele que restaurou a credibilidade de Itália ao preço de uma severa cura de austeridade, incluindo um imposto sobre imóveis muito impopular, prometer uma diminuição dos impostos.
"O professor tornou-se um demagogo", acusa Matteo Renzi, o presidente da câmara de Florença que representa a jovem guarda do Partido Democrata (esquerda), que é favorito nas sondagens.
"Teria preferido um programa mais corajoso, mais radical", comentou o atual ministro do Desenvolvimento Económico, Corrado Passera, afastado das listas da coligação centrista que apoia Monti para as eleições de 24 e 25 de fevereiro.
Porque a dúvida sente-se também nos apoiantes de Monti: "Atenção ao risco de transformismo", alertou a ministra dos Assuntos Sociais, Elsa Fornero, que decidiu afastar-se no final da legislatura, como antes tinha prometido fazer Monti quando chegou ao poder.
O apoio do Vaticano e da Igreja italiana a Monti também causou rebuliço no mundo católico. Alguns consideraram inoportuno ir contra muitos eleitores católicos do PDL, o partido de Berlusconi, ou do Partido Democrático. Um fórum católico pede que o apoio seja simplesmente anulado.
Monti, que diz várias vezes que teria sido mais confortável ficar no "nicho dourado do Senado" mas que considerou necessária a sua candidatura para não "ignorar os sacrifícios dos italianos", parece estar consciente das dificuldades de se transformar nesta nova personagem. "É a loucura", brincou na quarta-feira durante um debate, antes de pedir a uma participante, psicoterapeuta, "prepare um divã".