De palhinhas comestíveis a garrafas biodegradáveis: a inovação no agroalimentar

A sustentabilidade pode ter dado o mote, a par da mudança no comportamento dos consumidores. O certo é que as empresas apostam cada vez mais na Investigação & Desenvolvimento para se diferenciarem no mercado com produtos inovadores e mais "verdes".
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O consumidor de hoje não é o mesmo consumidor de 2019. Um estudo realizado pela Mintel, a pedido da PortugalFoods - Associação do Setor Agroalimentar português, revelou que o comportamento mudou. E tudo indica que é uma viagem sem retorno. Hoje quem compra é mais exigente. Quer estar informado sobre o que consome, quer adquirir produtos que sejam sustentáveis. Quer ter um maior controlo e, principalmente, quer transparência. E procura produtos alimentares que lhe proporcionem "experiências únicas".

Tudo isto "obrigou" o setor a acelerar a inovação. O certo é que, e de acordo com Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoods, houve uma grande evolução nos últimos anos . Hoje o setor está "qualificado e orientado para o mercado, acompanhando as tendências mundiais para se adaptar e diferenciar no mercado global". Os números demonstram-no, com as exportações a crescerem nos últimos dois anos, apesar da pandemia. Em 2020 cresceram 2,5% face a 2019 e no ano passado deram um salto de 11,4% para 7 709 milhões de euros.
Portugal tem dado cartas na inovação nesta área. Para a diretora executiva da PortugalFoods, a expectativa é mesmo que, neste ano, o país passe novamente a estar no grupo dos países fortemente inovadores.

O certo é que muitas empresas portuguesas souberam responder ao desafio. Há vários projetos, alguns já com produtos no mercado, outros ainda em fase de desenvolvimento, que mostram que a investigação e a inovação portuguesas estão de boa saúde.

O plástico há muito que domina os lineares dos supermercados na área da mercearia. Mas a estratégia de sustentabilidade da Novaarroz levou a uma decisão que mudou tudo. As medidas tomadas ao longo do tempo para reduzir o consumo de plástico, a par do apoio à produção integrada, produção biológica, promoção de programas de biodiversidade na produção agrícola, eficiência energética a nível industrial e a reciclagem de resíduos e valorização dos subprodutos, tiveram como culminar o desenvolvimento de uma embalagem 100% de papel. Como a marca explicou ao DN/Dinheiro Vivo, a decisão obrigou a vários investimentos nas linhas de produção e procura de novas soluções de abastecimento. No caso específico desta embalagem, o maior desafio foi o de encontrar uma solução de papel com a janela transparente.

O resultado final nasceu de um trabalho conjunto e multidisciplinar, que contou com grande envolvimento das equipas de marketing, I&D, procurement e produção, e ainda a estreita colaboração com fornecedores. Segundo a empresa, a aceitação da nova embalagem tem sido muito positiva, o que reflete a crescente preocupação dos clientes e consumidores na procura de soluções mais sustentáveis e amigas do ambiente.

Depois deste "sucesso" a empresa, e ainda no âmbito das embalagens, refere que 2022 será um ano de consolidação da substituição das embalagens de plástico, com um objetivo de redução global do consumo anual de 200 toneladas de plástico. Contam ainda apresentar novidades ao nível de novos produtos no eixo do bem-estar e saúde, conveniência e produção biológica. A nível energético está previsto um aumento substancial da energia solar (investimento em painéis fotovoltaicos), "que poderá representar cerca de 80% do nosso consumo energético".

A paixão pelo mar e a prática do surf estiveram na base da decisão de Diogo Teixeira Lopes, CEO fundador da Wissi, de procurar um negócio que promovesse "um recurso sustentável da nossa costa atlântica". A escolha recaiu nas algas, que auferem aos consumidores um alimento saudável, inovador e de alto valor nutricional. Mas nem tudo foi fácil. Diogo Teixeira Lopes teve de ultrapassar hábitos de consumo enraizados, assim como dificuldades de financiamento de um setor alimentar de produtos nicho. Sem esquecer que "vivemos de experimentação e degustação fruto da conjuntura pandémica que nos impede de promover os nossos produtos junto de potenciais clientes". Apesar de todas as dificuldades, a empresa tem recebido recetividade ao projeto.

A Wissi trabalha em parceria com a Direção-Geral e Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, que concedeu a licença de apanha de algas. Além disso, e segundo Diogo Teixeira Lopes, a empresa tem contactos institucionais com o IPMA e um protocolo estabelecido com a Escola de Hotelaria do Estoril, a par de parcerias com o Cascais Food Lab. Contactos que "nos ajudam a divulgar e promover o projeto de algas Wissi com evidências de fidelização e aprendizagem desta nova tendência por parte de todos os intervenientes".

O projeto começou com as algas desidratadas Alface do Mar 30g, mas hoje já conta com "três gamas (desidratada, fresca e aromática), considerando as algas que comercializamos (Alface do Mar, Kombu, Esparguete do Mar, Wakame e Chorão do Mar), gamas e os vários formatos existentes". A empresa está neste momento a testar uma nova gama: barras snacks com algas, tendo em vista a conveniência.

A inovação faz parte do ADN da empresa. Depois de, em 2021, ter apresentado a primeira garrafa de água totalmente produzida a partir de PET reciclado, surgiu a ideia de, através da parceria com a Universidade do Minho e Fundação Mirpuri, criar a primeira embalagem portuguesa 100% biodegradável. O resultado foi o que Vítor Hugo Gonçalves, CEO da Sociedade da Água de Monchique, considera ser um exemplo para o mundo e para a indústria dos bens de consumo: garrafas 100% biodegradáveis e compostáveis e que além de não criarem qualquer interferência na qualidade da água, podem ser consumidas pela fauna marinha, caso cheguem ao oceano.

Essencial era que a nova embalagem preservasse as qualidades químicas e bacteriológicas da Água Monchique. Algo que tinha de ser compatível com a higiene e segurança dos vários produtos e respeitar toda a regulamentação existente para o setor alimentar. "Outro desafio exigente foi de que esta solução pudesse ser aplicada à tecnologia de produção já existente no mercado, nomeadamente no processo de sopro", explicou o gestor que acrescentou que a inovação tem sempre de procurar adaptabilidade e adequação às tecnologias existentes, com pouco ou nenhum investimento por parte das empresas, ou estará sempre condenada ao insucesso.

Uma das maiores dificuldades da empresa no que concerne a inovar no processo produtivo prende-se com a dificuldade de encontrar o tipo de tecnologia necessária em Portugal. Neste momento, a ComTemp, detentora da marca Cristal, está a trabalhar com uma universidade em Portugal e com outra no Brasil, quer para melhoria de processos produtivos, quer para novos produtos. Está também a estudar um processo produtivo inovador na Alemanha. Um dos seus investimentos passa por substituir a quantidade de PET virgem utilizado nas embalagens. O resultado foi que a Cristal foi "a primeira marca de vinagres em Portugal (e uma das primeiras no mundo) a introduzir PET reciclado (25%)" nas suas garrafas de vinagre, como explica Tiago Carneiro, diretor de estratégia da ComTemp. O executivo acrescenta que a empresa tem um laboratório próprio de pesquisa e desenvolvimento, o que permite que a maioria dos produtos criados pela empresa e que posteriormente passam para a fase de desenvolvimento na vertente industrial, sejam resultado de um trabalho 100% interno.

Sobre as dificuldades sentidas no caminho da inovação, Tiago Carneiro é perentório: a educação do consumidor e a posição geográfica de Portugal. Sendo que "a culpa é dos produtores, das empresas, das marcas, não tenhamos dúvida. É preciso educar de melhor forma e criar melhor informação", refere, acrescentando que "é essencial dar informação precisa que permita ao consumidor entender os produtos que fazemos, como os fazemos e porque o seu consumo pode trazer benefícios, desde a saúde ao sabor de um prato".

"Temos como missão desenvolver principalmente produtos que contribuam para o bem-estar, saúde e sustentabilidade de todos os envolvidos no processo produtivo e alimentar, desde o produtor ao consumidor final, mas que também se destaquem por serem inovadores e terem o seu espaço no mercado". É desta forma que Daniel Abegão, fundador e manager da CFER Labs apresenta a empresa que está prestes a lançar um preparado líquido de "ovo" vegetal, que é 100% feito a partir de plantas e sem qualquer vestígio de ovo animal. A par disso, acrescenta, estão a preparar palhinhas e colheres comestíveis e biocompostáveis, como alternativa aos plásticos de utilização única.

Os consumidores estão a mudar a sua alimentação e isso obriga, segundo Daniel Abegão, ao desenvolvimento de produtos com menos açúcar ou gordura, com ingredientes mais naturais, metodologias mais inovadoras de fabrico ou com processos ou ingredientes potencialmente menos prejudiciais para a saúde das pessoas. No entanto, o executivo considera que ainda há trabalho a fazer, nomeadamente no sentido de conseguir "apanhar" os consumidores que, por motivos financeiros, não têm estes temas como prioridade.
Para Daniel Abegão o futuro da alimentação passa pela capacidade de dar aos consumidores cada vez mais opções saudáveis a preços cada vez mais competitivos. " A alimentação será cada vez mais transparente e terá cada vez mais profissionais a investigar novas metodologias de produção, de forma a maximizar e a otimizar todo o sistema produtivo e de abastecimento", afirma, acrescentando que há duas tendências que vieram para ficar: a alimentação vegetariana e plant-based e a rapidez e comodidade na compra e consumo de qualquer produto.

Avaliar a perceção sobre todos os aspetos intrínsecos e extrínsecos de um produto desde que avaliado utilizando os sentidos. Esta é a tarefa da Sense Test, que se dedica à análise sensorial e, com isso, perceciona a reação dos consumidores a determinados produtos. Como explica Daniel Rocha, comercial na Sense Test, do ponto de vista intrínseco os produtos podem ser avaliados desde as suas características sensoriais até como estas se correlacionam com a aceitação ou como nos fazem sentir do ponto de vista emocional.

Já no que concerne ao ponto de vista extrínseco, todos os aspetos relacionados com a embalagem e usabilidade podem também ser avaliados. No caso específico da Sense Test, a empresa trabalha diferentes metodologias para avaliação da resposta emocional a um produto. Isto é importante para as marcas, porque hoje o consumidor tem à sua escolha uma imensa diversidade de produtos, o que torna imperativo estudar e perceber os motivos da sua escolha.

Por outro lado, refere Daniel Rocha, mesmo com as novas tendências de procura de produtos mais saudáveis, convenientes e sustentáveis, o sabor continua a ser um fator essencial. "Os consumidores procuram bem-estar e uma experiência sensorial e emocional completa e positiva. Desta forma, ir "para lá da aceitação" será a tendência para conseguir prever e perceber todos os fatores de decisão de forma integrada, sem perder a barreira métrica do hedónico", explica, acrescentando que a perceção do consumidor é a chave principal para o sucesso dos novos produtos.

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