De Bradley a Chelsea: os desafios da liberdade para a soldado Manning
Entrou na prisão há quase sete anos como Bradley Manning, um soldado raso que foi o responsável pela divulgação de mais de 700 mil documentos secretos dos EUA através da WikiLeaks, e saiu hoje em liberdade como Chelsea Manning. Um porta-voz do exército confirmou à BBC que já foi libertada de uma prisão militar no Kansas.
Pelo meio, além de revelar que se identificava como transexual, ganhou o direito de fazer terapia hormonal apesar de não conseguir transferência da prisão militar exclusiva para homens, tentou duas vezes o suicídio e conseguiu que Barack Obama, numa das últimas decisões na Casa Branca, comutasse a sua pena.
"Pela primeira vez, consigo ver um futuro para mim como Chelsea", disse Manning num comunicado divulgado na semana passada pela União Americana pelas Liberdades Civis, que a tem ajudado nos seus processos judiciais. Condenada a 35 anos de prisão, a mais longa sentença alguma vez proferida nos EUA para um caso de roubo e partilha de informação secreta, a militar de 29 anos continuará no ativo - até à decisão do recurso da condenação original.
Chelsea deixa a prisão militar de Fort Leavenworth (Kansas) e planeia ir para Maryland, onde já viveu com a tia. Apesar de estar no ativo, não terá direito a salário, sendo pouco provável que seja chamada a servir. Mas poderá ter cuidados de saúde pagos pelo exército - quer continuar a transição para o sexo feminino. Por outro lado, continuará sob jurisdição militar, o que significa que poderá voltar a Tribunal Militar - "até pode arranjar problemas por falar ou escrever", disse à NBC News o advogado, David Coombs.
Obama comutou a pena considerando que Manning tinha assumido a responsabilidade e que a condenação era desproporcional. Uma decisão que Donald Trump criticou, apelidando a soldado de "traidora ingrata". Manning, que roubou a informação secreta (usando um falso CD da Lady Gaga) quando estava no Iraque, disse que o fez "preocupada pelo país" em nome da "transparência e responsabilização pública".
Filha de pais alcoólicos, Manning cresceu no Oklahoma e foi vítima de bullying na escola por causa dos jeitos efeminados. Em 2007 alistou-se no exército, sendo destacada dois anos depois para o Iraque, onde trabalhou como analista de informação. Mas continuava a lutar com a disforia de género, enviando um email ao supervisor com uma foto em que surgia de peruca e maquilhagem: "Este é o meu problema. Pensei que uma carreira militar me ajudaria a livrar-me dele. Mas não está a desaparecer, está a assombrar-me mais à medida que envelheço". O pedido de ajuda foi ignorado.
"Agora, a liberdade é algo que vou voltar a conhecer com os meus amigos e familiares, após quase sete anos de grades e de cimento, períodos de isolamento, com cuidados de saúde e autonomia restringidos, incluindo cortes de cabelo de rotina forçados", explicou. Estas questões estiveram na origem das tentativas de suicídio. "Espero usar as lições que aprendi, o amor que tenho recebido, e a esperança que tenho para trabalhar para tornar a vida melhor para os outros", disse.
Notícia atualizada às 11.55