De Blair para Bush, com apoio incondicional. As cartas de quem invadiu o Iraque

As cartas que o primeiro-ministro britânico mandou ao presidente dos Estados Unidos antes e durante a invasão do Iraque
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A 28 de julho de 2002, oito meses antes da invasão do Iraque pelas tropas dos Estados Unidos e do Reino Unido, o na altura primeiro-ministro britânico, Tony Blair, escreveu uma carta a George W. Bush em que declarava que estaria ao seu lado, "em qualquer circunstância".

Esta carta de seis páginas classificada como "Pessoal e Secreta" foi escrita antes das Nações Unidas terem terminado a investigação sobre a produção de armas de destruição em massa no Iraque.

Segundo John Chilcot, autor do Relatório Chicolt sobre a participação britânica no conflito iraquiano, as palavras de Blair eram uma declaração oficial da posição do Reino Unido em relação à iminente invasão e guerra no Iraque.

[citacao:Ao teu lado, em qualquer circunstância]

"Livrarmo-nos do Saddam é a coisa certa a fazer. Ele é uma possível ameaça. Ele poderia ser contido. Mas a contenção, como com Al-Qaeda, é sempre arriscada". O seu regime "é provavelmente, com a possível exceção da Coreia do Norte, o mais brutal e desumano do mundo", escreveu Tony Blair.

Encontrar as armas de destruição em massa era fundamental para o Reino Unido e os Estados Unidos justificarem a invasão mas, nesta carta, Blair traçou uma receita para reunir mesmo assim provas suficientes contra o Iraque.

"Se recapitularmos todas as provas de armas de destruição em massa, adicionarmos a tentativa de garantir a capacidade nuclear e, de modo a parecer possível, acrescentarmos uma ligação à Al-Qaeda, será bastante persuasivo", escreveu. "Além disso, é claro, a natureza abominável do regime".

Durante o conflito no Iraque, desde antes da invasão até depois do derrube do então presidente iraquiano Saddam Hussein, Blair escrever 29 cartas a Bush.

[citacao:Temos de lidar com o Saddam]

"Temos de lidar com o Saddam", escreveu Tony Blair, no dia 11 de outubro de 2001.

"Há uma verdadeira vontade no Oriente Médio para expulsar Saddam, mas uma oposição completa a misturar isso com a operação atual [bombardear o Afeganistão]. Eu não tenho dúvidas de que temos de lidar com Saddam", afirmou o primeiro-ministro. "Mas se nós atacarmos o Iraque agora, perderíamos o mundo árabe, Rússia, provavelmente metade a UE e meu medo é o impacto de tudo isso sobre o Paquistão".

Na carta, Blair descreve os planos militares para bombardear o Afeganistão, onde os autores do atentado terrorista de 11 de setembro se escondiam, e as campanhas para combater o terrorismo "de todas as formas", segundo a BBC.

"No entanto, estou certo de que podemos conceber uma estratégia para Saddam para uma data posterior", continuou, revelando que a hipótese de derrubar Saddam já estava em cima da mesa.

[destaque:Dar um bom nome à mudança do regime]

"O Iraque é uma ameaça porque tem armas de destruição em massa", escreveu Blair a 4 de dezembro de 2001. "Mas qualquer ligação ao 11 de setembro e à Al-Qaeda é no máximo muito ténue".

Nesta carta Blair reafirmava que o apoio internacional seria muito importante para qualquer ação no Iraque. Blair sugeria uma uma estratégia a longo prazo até que os dois países chegassem "ao ponto em que poderia ser tomada, se necessário, uma ação militar sem perder apoio internacional".

Enquanto isso, teriam de "debilitar Saddam", chamar as pessoas para a sua causa mas sem "perder a Rússias e/ou metade dos países árabes e os da União Europeia".

"Se derrubar Saddam é um objetivo primordial, é muito mais fácil fazê-lo com a Síria ou o Irão a favor ou de acordo, em vez de atacar os três de uma vez. Sou a favor de dar a estes dois a chance de termos uma relação diferente".

Quanto ao Afeganistão, daremos um "bom nome à mudança de regime, o que vai estar a nosso favor sobre o Iraque"

[citacao:Discurso Brilhante]

Durante os meses do conflito a relação entre Blair e Bush foi-se tornando cada vez mais íntima. No dia 12 de setembro de 2001, Blair elogiou o "discurso brilhante" que Bush tinha feito no primeiro aniversário do atentado às Torres Gémeas.

Numa nota escrita à mão, Blair disse a George W. Bush que o seu discurso os colocava exatamente no caminho certo. "A receção tem sido muito positiva. Bom trabalho", continuou.

[citacao:A verdadeira ordem mundial pós guerra fria]

"Este é o momento em que tu podes definir a política internacional para a próxima geração: a verdadeira ordem mundial pós-guerra fria", escreveu Blair em março de 2003, pouco tempos após os ataques aéreos ao Iraque terem começado.

"A nossa ambição é grande: a construção de uma agenda global em torno do qual podemos unir o mundo, em vez de dividi-la em centros rivais de poder ".

Tony Blair tentou defender as ações de Bush, afirmando que "uma visão absurda e distorcida dos EUA está a obscurecer o enorme objetivo fundamental", e queixou-se de quem criticava os planos: "As pessoas racionais estão a comportar-se de modo muito estúpido"

[destaque:Iraque pós-Saddam]

O Relatório Chilcot, apresentado esta quarta-feira, concluiu que "apesar de muitos avisos, as consequências da invasão foram subestimadas. O planeamento e os preparativos para o Iraque pós-Saddam foram inadequados".

Nas cartas enviadas por Blair, a organização do país depois da queda do ditador é mencionada superficialmente, segundo o The Guardian.

A saída de Saddam "deverá resultar com o tempo num Iraque democrático, governado pelo povo", escreveu Blair, mas depois concluiu que "apenas trocar um ditador por outro parecia inconsistente" com os valores britânicos.

Na carta de 28 de julho de 2002, Blair parecia estar ciente das dificuldades do desafio. "O planeamento e a estratégia são os mais difíceis", disse ele. "Isto não é o Kosovo. Isto não é o Afeganistão. Não é nem a guerra do Golfo ".

No dia 2 de junho de 2003, em plena invasão, Blair mostrou-se ainda mais preocupado com as consequências da queda do regime iraquiano, após ter visitado o país.

"A tarefa é absolutamente impressionante", disse Blair a Bush, "e eu não tenho a certeza se nós estamos orientados para isto". "Isto é pior do que reconstruir um país a partir do zero. Partimos de uma posição realmente atrasada. Com o tempo, ela pode ser resolvida, mas o tempo está contra nós. "

"Se isso cai por terra, tudo se desmorona na região", ele concluiu.

A 5 de setembro, Blair disse ao presidente dos Estados Unidos: "Como previste, o rescaldo e a reconstrução do Iraque está a ser a fase mais difícil."

Um mês depois, em outubro de 2003, o pânico de Tony Blair aumentava: "O Iraque no terreno é difícil". "Perdemos pessoas para ataques terroristas. Não encontrámos [provas de] armas de destruição em massa suficientes".

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