Dave Gahan: Soltam-se os monstros

As palavras de Dave Gahan não deixam dúvidas: há um mal estar instalado entre os Depeche Mode, que parte da mão de ferro de Martin Gore na condução criativa da banda. Um cenário a rever no futuro, sob pena da carreira a solo agora encetada passar de percurso paralelo a preocupação central na vida do vocalista, que falou ao DN.
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Para alguém cuja vida esteve em risco há alguns anos atrás, fazer um disco a solo é um franco sinal de vontade de viver?
Fazer o que se deseja é um «lugar» óptimo para se estar. Tenho de seguir o meu coração, fazer o que desejar e trabalhar. Os meus colegas não estavam interessados em fazê-lo nesta altura... (risos).

Que tipo de descobertas em si mesmo lhe foram proporcionadas ao fazer um primeiro disco a solo?
Descobri sobretudo coisas que tinha escondido de mim mesmo durante muito tempo e que não podia mais ignorar, como o desejo em trabalhar com outras pessoas, experimentar outros tipos de música e não me cingir ao que penso ser uma fórmula.

Durante a gravação do disco comparou-se com o rapaz que era há mais de 20 anos quando gravou Speak And Spell, a estreia dos Depeche Mode? Esta foi outra estrela...
Há quem me tenha dito que este seria o álbum que naturalmente poderia ter surgido depois de um Songs Of Faith And Devotion. Mas nunca tinha pensado nessa comparação com 1981... Mas admito que relativamente ao Songs Of Faith And Devotion, tomei aqui uma certa continuidade face aos desafios a que nos propusemos quando o fizemos.

Até hoje sempre tinha cantado canções de outros autores. Foi sempre um teatro de esforço?
Nem por isso. Foi até muito natural, apesar de com o decorrer dos anos se tenha tomado mais difícil sentir que não tinha mais liberdade com as canções que me eram dadas. Por vezes é mesmo difícil quando as sinto de uma maneira diferente do Martin, mas isso não é o mais importante. Creio que trouxe muito ao som dos Depeche Mode ao longo dos anos, não apenas na gravação, mas sem dúvida na performance.

Houve canções dos Depeche Mode que reflectissem um estado de alma oposto ao que sentia pessoalmente?
Sobretudo em temas de Exciter, como por exemplo o Dead Of Night... Era excessivamente embrulhada na ideia do inferno da dependência. E eu não estava naquela situação!

Ao cantar, agora, palavras escritas por si sentiu algo diferente?
Sem dúvida! Vinham de mim...

Parece mais optimista... A paternidade abriu-lhe novas esperanças?
Creio que sim, a partir do momento em que pensamos o que é ser pai, e deixamos que sejam os filhos a nos sugerir isso mesmo. Sinto mais esperança na vida em geral, estou mais feliz. Isso tem a ver com a minha família e com o trabalho. Sei que estou a tomar alguns riscos, mas o maior dos riscos seria não os encarar...

Já escrevia canções antes de pensar em gravar este disco?
Por vezes, sim...

Guardava-as para si?
Mostrava-as a alguns amigos... Um deles ajudou-me depois até a ver o que delas podia tirar ainda mais. Ajudou mais que o Martin, das vezes que lhe tinha mostrado coisas quando fizemos o Ultra ou Exciter... Não me deu muito apoio nem considerou que as canções poderiam pertencer ao universo Depeche Mode. Mas no futuro, se houver outro disco dos Depeche Mode, teremos de colaborar. Não digo que nos sentemos a compor juntos, mas temos de levar as canções de ambos para uma mesa e trabalhar nelas... Abrir o espaço de trabalho à colaboração com outros é muito importante. E creio que o próprio Martin beneficiaria disso também. No Exciter teve, até, algumas colaborações.

Estas canções que «escondeu» e agora mostra são os tais Paper Monsters?
De certa forma, sim. A escrita foi divertida. Mas a ideia de ir para a fase seguinte, conseguir o apoio da editora para gravar o disco, revelou-se completamente diferente. Foi mais difícil do que esperava... E verifiquei quão fáceis as coisas têm sido para mim nos Depeche Mode ao longo dos anos!

Mas esses desafios adicionais são estimulantes!
É verdade. Hoje sinto uma nova inspiração e vigor para explorar coisas novas. Não me vou confiar nos sucessos do passado.

Muitos poderão ter pensado que um disco a solo seu poderia ser um álbum de guitarras... Mas afinal ia estão as electrónicas!
Era natural... Foi um disco que não foi limitado a nenhumas fronteiras instrumentais, que é algo que penso que fazemos nos Depeche Mode. Não sinto a abertura como ameaça...

Tem hoje a idade que os Rolling Stones tinham quando os Depeche Mode surgiram, isso fá-lo reflectir sobre o futuro?
(risos) Faz-nos sentir que não há limites que tenhamos de impor à partida a nós mesmos. Não há regras para não fazer coisas...

Como lida com o envelhecimento?
É algo que não podemos parar... O pior que se pode fazer é fugir que se está na mesma e agarrarmo-nos a imagens do passado.

É um ícone há muitos anos. Pensa sobre a sua imagem?
Temos de ser honestos sobre como nos sentimos e como gostamos de actuar..

E como será estar em palco sem as pessoas que o acompanham há 20 anos?
Bom, temos tido sempre outros músicos em palco... E nos últimos dez anos temos até trabalhado com pessoas diferentes nas digressões. Os Depeche Mode, desde há dois anos, é uma coisa que vem do Martin e de mim... Todos os outros são diferentes.

Sente a falta de Alan WiIder nos Depeche Mode?
Certamente. Contribuiu muito para o que fizemos na altura e ajudou-nos a crescer.

Pensa no futuro dos Depeche Mode?
Neste momento estou sobretudo a pensar neste disco e de como o vou mostrar. O futuro dos Depeche Mode não sei o que é. Sempre que acabamos um disco dos Depeche Mode, eu e o Martin sentamo-nos para discutir ideias... E aí vemos o que aparece...

Imagina um futuro mais livre, como em tempos viveram os Pink Floyd tardios ou há muito vivem uns Rolling Stones?
Sim... Seria mais saudável. Se predeterminarmos coisas e forçarmos o destino as coisas não correm tão bem.

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