"Daqui a dez anos ninguém saberá quem eu sou"
Não é todos os dias que um dos mais interessantes humoristas portugueses está disponível para dar entrevistas. No entanto, o lançamento de um livro mais difícil do que os anteriores, como é a investigação ensaística intitulada A doença, o sofrimento e a morte entram num bar -Uma espécie de manual de escrita humorística, tornou mais fácil entrar na intimidade da pessoa pública e da pessoa pessoa, pois Ricardo Araújo Pereira, também conhecido por RAP na década passada, aceitou preencher o vazio propositado da sua agenda com mais entrevistas desta vez do que em toda a sua vida artística e abandonou a posição de diva que fica a rebolar pelas almofadas lá de casa, na companhia dos seus quatro cães e um gato. Ou seja, para se apresentar na nova persona, a do estudioso do humor, prestou-se ao confronto com as grandes questões da comédia e enfrentou uma das classes profissionais que menos aprecia, a dos jornalistas.
O que vai o leitor à procura nesta espécie de manual? O mesmo de sempre, claro, umas piadas e umas graças ao jeito dos Gato Fedorento, porque a coisa está mais ou menos embrulhada como um dos seus anteriores produtos, as coletâneas de crónicas sobre o absurdo do país a todos os níveis e as declarações de amor ao Benfica. Mas não é isso que encontra, porque Araújo Pereira resolveu estudar o assunto e expor umas ideias bem organizadas ao longo de 118 páginas. Um número em muito inferior, diga-se, àquele que somam todas as entrevistas que estão a ser publicadas sobre este volume que intelectualiza o humor pela primeira vez em Portugal sob uma perspetiva o mais académica possível, mesmo que o autor sacuda a água do capote e repita que não é professor nem tem formação para escrever um ensaio. É mentira, pois se este livro estivesse assinado por Jerry Seinfeld, Woody Allen ou John Cleese, por exemplo, o leitor compraria o livro como resultado de um estudo profissional intenso.
Não é por acaso que vai buscar às suas leituras as epígrafes dos sérios Samuel Beckett, Jean-Paul Sartre, Shakespeare e Camilo Castelo Branco para as colocar a abrir o volume. O que dá logo a dimensão da densidade do que se segue, por muito que o autor se esforce em apoucar a sua capacidade intelectual para formular pensamentos escorreitos, intrínsecos ou académicos sobre a sua arte.
Antes de se o ouvir, pede-se desculpa ao autor por não se ter feito qualquer pergunta sobre a Srª. D. Adélia Maria da Cunha, a avó a quem é dedicado o livro, e por se terem executado várias garatujas sobre as páginas. É que Ricardo Araújo Pereira parece gostar dos livros imaculados como virgens e arrepia-se quando os vê sublinhados. Educadamente, agradeceu o esforço para se esconder os riscos: "Assim não fico melindrado!"
É verdade que disse em tempos esta pérola: "O problema das pessoas não é eu ser uma puta... É suspeitarem que eu seja uma puta cara". É com esse perfil profissional que se vê ao espelho?
Nada tenho contra esse tipo de profissional, pelo menos tão digna como a minha profissão. Isso vinha a propósito de uma pergunta sobre as pessoas que sabem a medida certa da publicidade que devo fazer e que achavam que eu me tinha vendido. A resposta que tenho é que vendo-me desde o primeiro dia. Quem não tem dinheiro é isso que faz, e se tivermos sorte há quem compre. Foi o meu caso. Pus a minha criatividade à venda e o Dr. Balsemão comprou. Por isso, o problema de algumas pessoas não é que eu me venda, antes suspeitarem que me estou a vender de uma maneira mais cara do que toleram. No entanto, a maioria das pessoas está-se a borrifar sobre se faço nenhuma, pouca ou muito publicidade. O grupo que se interessa mesmo pelo tema é o dos jornalistas.
Até porque para os espetadores, a publicidade permite reviver o espírito inicial dos Gato Fedorento!
Não iria tão longe, quem faz publicidade não é para trabalhar com um realizador de que gosta há muito ou para reviver um tempo, é óbvio que é por dinheiro. No estrangeiro, diga-se, não há esse tipo de criminalização moral.
É o normal no nosso país, quererem acabar o mais rápido possível com o estado de graça de quem tem sucesso?
Certo, são as regras do jogo. O que não me cria problemas porque não se pode controlar o que os outros vão dizendo.
Isso não o incomoda?
Não. Umas vezes temos sorte, noutras não. Mas nem uma coisa nos deve alegrar demasiado, nem outra deprimir. A realidade não muda e fazemos o que temos a fazer.
Tem dado muitas entrevistas recentemente. É irritante?
Não diria isso, é mais cansativo do que irritante, até porque o tema de conversa é sempre o mesmo. Encontro-me muitas vezes a repetir coisas por muito que tente inventar outras. O pior é a intensidade.
Há mais curiosidade na sua pessoa ou no seu livro?
Creio que a esmagadora maioria das entrevistas tem sido sobre o livro. Já é uma sorte quando vêm para falar com a pessoa, porque às vezes querem falar com aquilo que se chama - note-se que estou a fazer o gesto das aspas - uma "figura pública". Ou seja, é como falar com um objeto de plástico, que tem estratégias de marketing e máscaras, em vez de estar com interesse em ouvir o que uma pessoa tem para mesmo dizer. Os que querem a figura pública têm mais interesse nas cabriolas que somos capazes de fazer à frente do entrevistador.
Este livro foi escrito pela pessoa ou pela figura pública?
Pela pessoa, a que estava em casa refastelado a escrevê-lo. Por alguém que foi acumulando ao longo dos anos preocupações próprias de quem tem a minha profissão, para a qual não existe uma escola evidente. Esta ausência é específica desta forma de criação porque ninguém se espanta que um realizador tenha frequentado a escola de cinema e saiba o que é uma panorâmica ou um travelling; nem espanta que um músico tenha frequentado um conservatório, mas todos acham mais absurdo que um escritor de textos humorísticos tenha ido procurar uma formação - porque nem existe. Quem tem a minha profissão é obrigado a fazer a sua própria escola, com leituras, observações e pensar sobre o próprio ofício.
Este livro é a solução?
O que procurei fazer no livro foi isso: pensar e tentar perceber que tipo de coisas é que se pode dizer sobre o humor. Para isso, recorri ao que fui acumulando, razão pela qual o livro está tão atafulhado de exemplos de autores que sabem disto de facto e do que fazem.
Ficaram de fora muitos autores?
Imensos, até porque isto não é uma antologia. Nunca falo do Groucho Marx, que é uma influência muito presente em mim. Enquanto escrevia a única parte em que o podia incluir era num jogo de duas palavras inglesas numa frase que diz: Time flies like an arrow, fruit flies like a banana. Um jogo com flies em moscas e voa e like como gosto, mas era difícil traduzir - não me convidem para coisas difíceis -, por isso deixei de fora. Também poderia dar muitos outros exemplos de grandes autores que não estão no livro, como o de Mário de Carvalho. O que não me causa remorsos porque, repito, não é uma antologia. Está no livro quem era fundamental para exemplificar determinados aspetos.
Nas epígrafes repesca autores sérios - Beckett e Sartre - e com pouco humor. Porque o faz?
Porque têm uma perspetiva muito interessante de jogo com o mundo, que é uma coisa que me interessa. Olham para ele como as crianças fazem, com a capacidade de o virar ao contrário. Por exemplo, quando se pergunta a uma pessoa o que faz, ela responde com a profissão, já uma criança está a brincar e é capaz de se assumir como um morcego em vez do que verdadeiramente é. Uma operação inversa à do adulto, ou seja, não está preocupada com o que mundo acha que somos. Um mundo que se adapte a mim, não ao contrário. Esse jogo com as coisas, de se definir primeiro e o mundo que se submeta, é um movimento muito infantil e por isso é que os capítulos têm nomes tão pueris. Interessa-me o ponto de vista humorístico sobre as coisas e um modo de raciocinar também muito infantil, para manter um certo espanto inicial próprio da criança. Isso, no meu caso, poderá vir até de um certo tipo de imaturidade.
É a sua tentativa para dar a volta às coisas para as compreender?
Não é de hoje, é uma maneira de se reagir ao mundo. Outras pessoas terão estratégias diferentes para suportar o facto de o mundo ser demasiado grande, assustador e duro. Eu tenho esta, olhá-lo de um modo que ele não pretende e pensá-lo de maneira experimental. Pode acrescentar pouco, mas ajuda-me a suportar melhor o peso.
Como é que este livro nasce?
Quando a editora [Bárbara Bulhosa] me contactou há quase dez anos porque queria editar-me e um de nós sugeriu fazer um livro deste género. Em que pensasse sobre o ofício de ser humorista, uma espécie de ensaio, mesmo que seja um género que tem um peso académico que eu não consigo dar. Era essa a intenção, de um exercício de equilibrismo apesar de considerar que em rigor não é possível fazer um manual de escrita humorística como se faz um manual para montar um móvel do Ikea. Também não queria dizer coisas tão vagas para que quem lesse o livro ficasse rigorosamente na mesma. Portanto, o que está neste livro é esse compromisso entre uma coisa tão concreta, que acaba por não dizer nada de jeito, e uma outra que acaba por nada dizer de especial. Para ficar de consciência tranquila, posso dizer que quando estava a começar a escrever textos humorísticos, talvez me tivesse ajudado ter quem dissesse duas ou três coisas sobre isto.
Nota-se que está sempre a tentar desprestigiar o produto. Porquê?
Não estou a fazer essas tentativas...
...ao dizer que não é um ensaio...
...Isso é apenas ser rigoroso...
...Não é um ensaio, mas é pelo menos uma espécie de monografia e isso não se faz sem muita investigação...
...Certo, mas a questão é que não tenho mais formação em Filosofia do que a maioria, mas sim interesse em prolongar certos conhecimentos. O que está no livro não é resultado de um certo modo de pensar académico, sou eu a esforçar-me para que seja apresentável.
Pode chamar-se esforço quando escolhe a edição do Rei Lear de Álvaro Cunhal?
Não é uma provocação, apenas a edição que tenho em casa.
Já a de Hamlet, é a tradução de Sophia de Mello Breyner. Ou seja, as "fontes" são credíveis.
Certo, mas porque calha ser assim. Partem dos meus interesses, dos livros que estão na minha biblioteca. É um conjunto de leituras que não fiz num mês antes de escrever o livro, foram recolhidas ao longo da vida. Vamos lendo coisas e fazendo os seus sublinhados, fui selecionando os que têm a ver com esta área porque vinham a calhar e ajudaram a pensar. Se não me permitirem recorrer ao que fui lendo para compor o meu raciocínio, não terei grande coisa para dizer.
Voltemos a uma autodefinição: "Sou uma pessoa ansiosa e mariconsa". É a versão do humorista?
Vale para tudo, porque não consigo compartimentar-me de outra maneira e devo ter dito isso porque é verdade. A ansiedade e a mariquice prejudicam a criatividade, que nasce melhor num estado mais distendido. A ansiedade gera tensão com que tenho de lidar. A mariquice, tem a ver com o facto de recear se isto está compreensível, interessa e leva a algum lado.
A ansiedade também não é uma forma de se exigir superação?
Exato, mas não me queixo muito porque só é chato porque vive-se pior, mas tem a vantagem de não se ficar satisfeito com a primeira ideia que nos ocorre.
Na parte final, a propósito das teses da Bala e da Escarreta mágicas, pode concluir-se que está tudo feito e é difícil criar o novo?
Isso é verdade para tudo, não só para a escrita humorística. Mas há sempre novas maneiras de dizer o mesmo, de um modo que já não se usa há muito tempo e faz parecer serem novas. No outro dia estava a dar como exemplo a coleção de textos mais antiga, Filogelos - amigo do riso à letra -, que colige umas 200 pequenas histórias humorísticas, como a de um indivíduo que vai reclamar com o comerciante que lhe vendeu um escravo no dia anterior. Ele diz-lhe: "Olhe, o escravo que me vendeu ontem morreu". E o comerciante diz que é uma situação curiosa mas que o escravo nunca fez isso com ele. Muitos séculos depois, há um eco dessa história num sketch muito célebre dos Monthy Phyton, com um papagaio que também morre depois de ser comprado. Aliás, um autor, o filósofo americano Stanley Cavell, tem um texto sobre o filme North By Northwest do Hitchcock em que diz que é um remake do Hamlet. Parece difícil de acreditar, mas após enumerar vários pontos semelhantes, aceita-se a tese. Isto para responder à pergunta sobre o facto de serem sempre as mesmas histórias que se contam.
O seu humor também deriva de remakes?
A gente esforça-se... Mas, tendo esse peso de saber que antes de nós já meia dúzia de pessoas fizeram umas coisas, isso impõe certas dificuldades.
Os Gato Fedorento cheiravam a novidade!
Digamos que é uma maneira diferente de dizer a mesma coisa ou que há muito tempo que não se fazia assim. Se quisermos encontrar o que é específico dos Gato Fedorento talvez seja uma certa atenção à linguagem que se encontra em vários autores mas que ali é mais obsessiva. Que permitia ver como as pessoas se conseguem desentenderem-se milagrosamente com palavras, ou aquela perplexidade gerada por cada grupo profissional ter o seu jargão. Quem chama uma funcionária à caixa 5 do supermercado fá-lo numa entoação diferente de quem discursa no parlamento. Essa obsessão com os aspetos da linguagem era uma característica dos Gato Fedorento, mas não era inédito.
A concorrência dos políticos acabaram por diminuir o potencial de graça dos Gato Fedorento?
Creio que por cá até temos alguma sorte porque começa a ser preocupante quando o discurso político resiste à sátira e é difícil comentá-lo dizendo uma coisa mais absurda do que já foi dita por algum qualquer alto dignitário. Como acaba por acontecer nos Estados Unidos, ao eleger-se um tipo que parece ser imune a sátira: Donald Trump. De facto, ele parece fazer o que o humorista faz, virar o mundo ao contrário. Era isso o Carnaval, quando o servo fazia de senhor e vice-versa. O que ele dizia durante a campanha era tão extravagante que parecia vir da mesa de trabalho de um humorista. Talvez por ser uma figura importada de um reality show, que domina os códigos e sabe como manobrar os media, por exemplo.
Então, nos programas que os Gato Fedorento faziam nas eleições o mérito era o de virarem o mundo e assim rivalizar com o jornalismo político?
Às vezes, diga-se em favor dos jornalistas, que o tempo que têm ao seu dispor não é exatamente o suficiente para que possam fazer o trabalho como seria necessário porque as redações são exíguas. Isso nota-se bem nos EUA, o que me criou uma perplexidade generalizada quando percebo que se descobrem informações no programa do John Oliver que os jornais não me disseram. Isso acontece porque há mais dinheiro para o entretenimento do que para a informação. É possível ter uma redação que produz um programa humorístico mais bem apetrechada do que uma que produz notícias. Além, de que o humorista introduz um olhar no assunto que é mais inesperado.
Diz-se que foi o Ricardo que inventou o nome de "Geringonça". É verdade?
Não, nem pensar. A genealogia desse termo está feita, foi o Vasco Pulido Valente que escreveu "gerigonça" a propósito de uma outra coisa e o Paulo Portas citou-o aplicando-a ao Governo. Depois, toda a gente achou graça, a coisa pegou e não se fala de outra coisa.
Pode dizer-se que Vasco Pulido Valente é tão bom humorista como Seinfeld?
Duvido, porque muito pouca gente é melhor que o Seinfeld. O Pulido Valente é melhor a resmungar, aliás quase sempre sob o mesmo modelo, que consiste em dizer assim: "aconteceu agora isto, o que ninguém percebeu foi que..." Esta formulação indicia que "ninguém percebeu e eu fui o único que compreendeu". É isto que está escondido e que me deixa aflito quando leio os seus textos, pois temo que lhe irá faltar uma sinonímia muito em breve. Porque ele diz assim num texto: "imbecilidade nacional não percebeu que.."; na crónica seguinte: "a estupidez lusitana não apanhou..."; e, na terceira, "a idiotia indígena não viu..." A partir daqui começa a ser difícil encontrar sinónimos. Por isso receio que boa parte do tempo que perde a escrever seja para encontrar novas formulações para chamar estúpido ao país inteiro.
Se "Gerigonça" não corresponde à verdade, já no caso do pseudónimo O Meu Pipi podemos finalmente dizer que é seu...
Nunca se confirmou também...
Não é o autor daquilo?
Mantenho o que sempre disse sobre isso: não se confirma esse rumor. É mais um boato, aliás houve vários sobre a autoria desse livro e eu não era o único autor apontado. Chegou-se a pensar que o próprio Pacheco Pereira estava envolvido.
Apesar de o último Pipi ter uns sermões e gostar de ler a Bíblia...
Mas esse é um livro muito conhecido. Quem sabe se o autor não é alguém do clero.
Nos programas televisivos de memória recorda-se muito Raul Solnado. Antevê o dia em que comecem a fazer-lhe dessas memórias sobre o seu humor?
Oh pá!... Não o antevejo, mas imaginemos por um momento que isso acontece. Que eu morro e tenho direito àqueles segmentos de três minutos com uma música dolorida. Eu estarei morto e, mesmo agradecendo o esforço, não me serve para nada. Tenho uma consciência bastante aguda do esquecimento a que vou ser votado e com muita justiça. Nós sabemos todos quem é Péricles, Júlio César ou Alexandre o Grande, mas todas essas figuras tiveram decerto humoristas que fizeram pouco deles e desconhece-se o nome de qualquer um deles. É justo que assim seja, por isso daqui a 50 anos saber-se-á quem foi o Cavaco e daqui a dez anos ninguém saberá quem eu sou.
Daqui a tão poucos anos!
É perfeitamente possível.
Lá voltamos ao seu prazer em se apoucar...
E mais uma vez digo que estou só a ser rigoroso...
Aliás, passou a ser conhecido pelo nome inteiro em vez da sigla RAP inicial. Não é um sinal de consideração popular?
Mesmo sendo um péssimo nome artístico, pois parece mais um nome de advogado de quinta categoria. Não fui fadado com um nome que indique claramente qual é a minha profissão, já no caso do Cristiano Ronaldo isso é evidente. Ele só podia ser jogador de futebol. Era intolerável dizer que o engenheiro Cristiano Ronaldo está a chegar para reunião. Não funcionaria! É óbvio que é mesmo um jogador de futebol. Quanto a mim, não tive a sorte do ponto de vista onomástico para ter a carreira indicada.
Não quero ser mal educado mas não receia que um dia venha a tornar-se num tesourinho deprimente?
Não é um dia, já o fui porque já transformarmos uma aparição pública minha na altura em que era um anónimo num tesourinho deprimente e será fatal que no futuro as pessoas me façam aquilo que eu fiz aos outros nos programas no âmbito dos tesourinhos deprimentes. Essa expressão até entrou no léxico, o que é sempre lisonjeiro, porque é divertido perceber o que aconteceu à coisa que inventamos na sala de estar do Zé Diogo.
Este livro é a sua última palavra sobre a arte do humorismo?
Percebe-se que o autor no fim continua tão às aranhas como estava no princípio. Que esteve a fazer um esforço e a esbracejar para tentar perceber algumas coisas. E ainda bem que o conseguiu, ou ainda mal, porque a minha vida seria mais tranquila se chegasse a casa e não houvesse angústia ou sofrimento à frente da folha branca. Que não preciso andar a pesquisar coisas no Google que não fazem sentido só para ver até onde aquilo me leva. Ninguém sabe dizer de onde é que as ideias vêm, qual a associação que leva a uma ideia. Desconfiamos, mas é um processo difícil, como é caso daquele padre que antes de adormecer leu determinada coisa e durante a noite teve um sonho erótico. Isso não é pecado, aconteceu, mas será se for procurar refazer os passos que deu até adormecer para ter um sonho erótico novamente.
Há a garantia de que vai continuar a investigar o humorismo?
Sim, continuarei porque o segmento da minha biblioteca sobre este assunto do humor é bastante alargado e cada livro novo tem uma tábua bibliográfica que me indica novos títulos, portanto não há volta a dar.
A versão revista e acrescentada?
Se calhar, lá mais para frente. Quando poderei dizer: lembram-se do que escrevi há 20 anos? Esqueçam.
Qual foi o seu método de escrita. Sentou-se a pensar e saiu texto?
A parte de pensar era um processo que já decorria. Aliás, esta parte é novidade e creio não o ter dito a ninguém nestas entrevistas todas. O professor Abel Barros Baptista, da Universidade Nova, teve a gentileza de me convidar para dar umas aulas de escrita humorística numa pós-graduação. Por onde passam nomes como Gonçalo M. Tavares, Luísa Costa Gomes, Alexandre Andrade ou Rogério Casanova, entre outros. Os professores vão mudando e o palerma que se mantém sou eu. Essa função tem obrigado a procurar uma certa sistematização, que vou avaliando do resultado pela cara das pessoas que tem paciência em frequentar aquelas sessões; se estão perplexas porque aquilo não lhes serve para nada, ou se estão admiradas porque ouvem aqui e ali uma ideia interessante. Essas sessões também contribuíram para pensar isto.
Foi o lado do professor que o empurrou para este livro então?
Naquelas sessões, repare que não lhes chamo aulas, nunca permito que me chamem de professor - até para a gente não se rir. Também não lhes chamo alunos mas participantes, porque tenho algum pudor em falar de ensinar. É possível que seja difícil ou até impossível ensinar, mas não tenho dúvidas que é possível aprender. Também por isso, o livro não tem jargão técnico, nem uso palavras como punchline, pois fiz um esforço para expurgar o livro de qualquer vocabulário técnico que muitas vezes serve apenas para exibir.
Alguma vez aceitará representar textos de outros autores?
Não me parece, tenho recusado semanalmente convites para participar em filmes dizendo sempre o mesmo no email resposta - tenho uma espécie de minuta para responder a realizadores que têm a gentileza de me convidarem -, que vai sendo atualizado porque primeiro dizia "agradeço muito o seu convite mas não sou ator" e o realizador pensava que eu estava à procura de elogios. É mesmo verdade, eu não sou ator. E sei bem ver quem o é, pois já trabalhei com vários. Por exemplo, a Maria Rueff. Por isso não posso dizer de mim a mesma coisa. Daí a recusa em fazer trabalhos desse tipo. Não estou apto. Interpreto os meus textos e já é muito.
Vamos ao que interessa, qual é a previsão para o próximo Benfica - Sporting?
Quem me dera tê-la. Fiquei atemorizado por causa do Marítimo, depois segue-se esta semana terrível por causa do jogo com e o Nápoles, mas a minha previsão é sempre de 15 a zero. Mesmo que já tenha tido algumas desilusões e que a realidade tenha tendência para me desmentir. O que não muda o palpite para domingo.